quarta-feira, julho 07, 2004

Cenas de um Casamento

Para quem não sabe, os casamentos por procuração não são coisa do passado.
Pelo menos não inteiramente...! Embora hoje sejam bem mais raros, eles ainda acontecem, principalmente quando um dos noivos é diplomata ou membro de uma organização internacional,não podendo comparecer à presença do juiz... ou quando esse comparecimento, por qualquer razão, se torna difícil.

O nosso caso foi bastante simples. Nós estávamos namorando há alguns anos e
planejávamos morar juntos quando eu me formasse e conseguisse trabalho.
Acontece que, faltando alguns meses para eu concluir a graduação, João
partiu para Lisboa a fim de cursar o Mestrado; e, como o casamento civil
facilitaria a concessão da minha residência (e a da passagem aérea, que meu
pai só me daria para encontrar o marido e não o namorado), decidimos fazer
correr os papéis no meio daquele ano.

O processo foi tranqüilo, com uma única ressalva: devido à grande quantidade de casamentos em Julho, o mês previsto pelo pessoal do cartório, o nosso acabou ficando para 5 de Agosto... o que fez as Sibilas de plantão torcerem o nariz, prevendo uma concentração de nuvens negras, simultaneamente, sobre Niterói e Lisboa.

Pois não é que havia mesmo algumas nuvens no dia 5? Uma chuvinha fina nos
acompanhou da barca (é, eu fui de barca, com meus pais e minha irmã) até o
cartório, no centro de Nicty. Lá, à espera do juiz, havia outros casais, uma
dupla de procuradores (isso realmente foi estranho: não só um mas ambos os
noivos estavam ausentes!) e um rapaz preocupado com a demora da futura
esposa. Todos nós tínhamos o casamento agendado para o meio-dia, mas o juiz
atrasou um pouco. Assim, passava um pouco das 13 horas quando chamaram o
primeiro casal: uma adolescente vestida de noiva, de grinalda e tudo, com
uma barriga de pelo menos 7 meses, e um rapaz baixinho e lourinho que
parecia prestes a receber a primeira comunhão. Era só vê-los para a gente se
perguntar onde estaria o pai da garota com a espingarda!

De qualquer forma, eles se casaram e saíram (se para a igreja ou para a
maternidade, isso não sei) e chegou a vez do rapaz solitário, que já tinha
ligado sem sucesso para a casa e o trabalho da noiva. Piedosamente, o juiz
os deixou para o fim e nos chamou, a mim e ao procurador, o irmão mais velho
do João. E o que ele tinha para nos dizer?

- Olhem, a procuração está malfeita, pois não menciona o nome da Ana
Lúcia... O senhor poderia casar seu irmão com qualquer mulher...

Deu uma paradinha para saborear nosso susto e continuou:

- Bom, mas como os papéis correram sem ninguém dizer nada, e como imagino
que a família não ia casar o João à revelia, vou prosseguir com o ato...

A sala ecoou com um “ahhhhh” de alívio, soltado em conjunto por toda a família, que realmente não precisava dessa... e muito menos da que veio a seguir, quando meu cunhado resolveu fazer uma piadinha.

- Meritíssimo, o que acontece se o senhor perguntar se eu aceito a Ana em
nome do meu irmão, e eu disser que não aceito?

- Bom, nesse caso você vai ter que se retratar - disse o juiz, muito sério.
- Para isso há um prazo de 24 horas. Depois, tem que assinar vários papéis, conseguir testemunhas, marcar uma outra data e...

- Não! Pelamordideus! Eu estava brincando!

- Pois fique o senhor sabendo que este não é o lugar nem a hora para brincar - sentenciou o juiz, e aproveitou para emendar um sermão de uns 15 minutos sobre a
seriedade e a responsabilidade do casamento. Por fim, o ato teve início, foi
concluído sem grandes traumas e nós fomos comemorar no Bella Blú - e nunca
ficamos sabendo se a noiva relutante apareceu ou não.

Naquele mesmo momento, o João, em Lisboa, estava abrindo uma conta bancária,
e consultou o relógio para responder sobre o seu estado civil (ele jura que
isso aconteceu de verdade). Ele, que não fora à festa de formatura e que
sempre brincava dizendo que não iria ao seu próprio casamento, nunca poderia
imaginar que a promessa iria se concretizar. E, além disso, ele ainda teve que
esperar cinco meses antes de beijar a noiva. Teriam sido apenas quatro e
meio, mas tive que adiar a viagem marcada para 26 de Dezembro porque
amanheci com rubéola no dia 23. Dia da minha formatura, por sinal... e eu
não pude ir à festa que tinha ficado dois anos ajudando a organizar. Seria
um desejo inconsciente de fazer o mesmo que o João? Ou um efeito tardio de
Agosto?

Seja como for, já atravessamos onze Agostos desde então, e tudo está
dando certo. Por isso, ou não há nada de errado com o mês ou é o amor que
nos protege. Ou ambas as coisas, é claro!

4 comentários:

Astreya disse...

Nossa Ana, que história inusitada!!! Eu nunca soube de um casamento como o seu, tá vendo que original? Adorei o relato, e parabéns!! Muito amor e muitos e muitos anos a mais para vocês!

(Meu casamento foi em dezembro, mas também choveu e ficou todo nublado. O celebrante disse que era para lavar e renovar a cidade para receber o novo casal, fiquei toda feliz com a explicação dele) =).

Adelia Araujo disse...

Adorei a crônica e seu estilo de escrever! Parabéns pelo casamento, pelo amor ckmpartilhado e pela magnífica forma de compartilhar!

Adelia Araujo disse...

Adorei a crônica e seu estilo de escrever! Parabéns pelo casamento, pelo amor ckmpartilhado e pela magnífica forma de compartilhar!

Ana disse...

Muito obrigada, fico feliz que tenha gostado. :)