segunda-feira, julho 05, 2004

A Carta Esférica

Essa história não tinha pé nem cabeça e misturava os gêneros sem o menor pudor. A fase Melville, assim como a anterior - a fase Stevenson -, tinha ficado para trás havia muito tempo. Teoricamente Coy estava claramente na fase Conrad; e todos os heróis autorizados a se moverem por esse território eram heróis cansados, mais ou menos lúcidos, conscientes do perigo de sonhar com a mão no leme. (...)

E, no entanto, o “Se...” hipotético na porta do oráculo de Delfos, que Coy conhecia por Melville, que teria por sua vez tirado de outros livros que ele não havia lido, continuava vibrando no ar (...). De repente, para sua surpresa, Coy descobria que as fases livrescas e vitais, independentemente de como se chamem, nunca se encerram à perfeição; e que, embora os heróis tenham perdido a inocência e estejam exaustos demais para acreditar em barcos fantasmas e em tesouros submersos, o mar continua inalterável, pleno da memória que, ela sim, acredita em si mesma. (...)

Assim, apesar de toda a lucidez possível, ali estava ele, novamente chamando-se Ismael depois de ter sido náufrago, e ter se chamado Jim, novamente disposto a retesar o arpão, na sua idade, com o próprio sangue e o velho grito de praxe: que o último seja levado pelo álcool ou pelo diabo, viva o bote desfundado, viva o corpo desfundado, etecétera.


(PÉREZ-REVERTE, Arturo. A Carta esférica. São Paulo : Planeta De Agostini, 2003. p. 224-226)

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Pessoas queridas,

O trecho acima é de um dos melhores livros que li nos últimos tempos. Do mesmo autor de "O Clube Dumas" e "O Quadro flamengo" - que, agora, surpreende por seus conhecimentos em mais uma área, a Cartografia Náutica -, ele conta a história de Manuel Coy, um marinheiro sem barco que se une a uma historiadora em busca de um navio naufragado no século XVIII. A trama se sucede entre revelações, descobertas e um desenlace inesperado - ou não - mas para mim o mais fascinante, além da prosa envolvente de Pérez-Reverte, é a construção que ele faz de seus personagens Coy e Tánger Soto, tanto em suas personalidades como no que se refere ao seu background, de vida e de leitura.

Coy é um leitor compulsivo de obras com temas ligados ao mar, desde “A Odisséia” até o último paperback barato, mas ignora solenemente qualquer outro tipo de literatura. Foram os livros, mais do que a sua vida de menino, à beira-mar, em Cartagena, que moldaram seus sonhos relativos ao mar e à vida de marinheiro. Tanto é assim que, refletindo sobre um velho amigo, mestre de um veleiro às antigas, ele se pergunta: como será ir para o mar, enfrentar e conhecer o mar, sem antes tê-lo idealizado a partir do que se leu?

Por sua vez, Tánger Soto, a historiadora, luta para manter o sonho da “caça ao tesouro” que se iniciou em sua infância, acompanhando as aventuras de um herói de quadrinhos. Historiadora, conhecedora de livros e mapas antigos e pesquiadora tenaz, é quase comovente a forma pela qual ela acaba recorrendo, ao fim e ao cabo, às certezas que obteve a partir da leitura e da releitura da sua coleção completa do Tintim!

Não é de estranhar que eu tenha me identificado tanto com os dois. Mais com Tánger, pela profissão e pelo tipo de leitura; mais com Coy, pela atitude em relação à vida e às pessoas. Ao mesmo tempo - embora seja como o Sabugosa da versão de Lenine, que “viaja e vive peripécias sem tirar os pés da estante” - eu também gosto muito de histórias marítimas, principalmente “A Ilha do Tesouro”, que Ana Maria Machado definiu como “um roteiro de iniciação à vida”. Gosto de histórias de atlas e de tesouros; de navegantes, náufragos e piratas. Deve ser o sangue lusitano... ou fenício, vindo ainda de mais longe. Ou talvez seja simplesmente aquela necessidade que todo mundo tem de sonhar com aventuras, de acreditar que elas são possíveis... E o mar, como cenário, é perfeito para isso. Afinal, atravessá-lo é dar a volta ao mundo!

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Então, voltando ao início após esta audaz afirmação... Acho que podemos falar em termos de


DICAS DA ANINHA

A Carta Esférica, de Pérez-Reverte, esteve nas bancas (aqui do Rio) há alguns meses. Talvez alguns jornaleiros ainda o tenham ou consigam arranjá-lo. Vale a pena, pois a edição, de capa dura e com mais de 500 páginas, custa apenas R$ 16,90. Se não for possível conseguir essa edição, a Companhia das Letras publicou o livro em 2001, o preço médio na Internet é de R$ 42,00. Mas... ATENÇÃO!!! A Livraria Saraiva (virtual) o está vendendo pelo inacreditável valor de R$ 9,90!!! Se eles não se enganaram, deve haver um só exemplar... Quem for rápido vai se dar bem!!

Como e por que ler os clássicos universais desde cedo, de Ana Maria Machado, pode interessar àqueles que gostariam de refletir um pouco sobre o papel da leitura na educação e na formação do indivíduo. Também aos que estão participando desse processo com filhos, sobrinhos ou alunos e - principalmente, quem sabe? - aos saudosistas, que talvez se identifiquem com algumas das afirmações (e memórias) da autora. A obra foi publicada pela Objetiva em 2002 e o preço mais barato da Internet é o da Sodiler: R$ 18,81.

OBS: Este post foi publicado originalmente em Outubro/2003. Temo que os preços estejam um tanto quanto mudados... mas sempre vale a pena tentar!! :)

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