quinta-feira, dezembro 29, 2016

Leituras Mais Legais de 2016 - 10 Livros Estrangeiros



Pessoas Queridas,

Já falei sobre os livros nacionais que mais me deram prazer este ano. Chegou a vez dos estrangeiros, e a lista final está bem variada. São quatro livros de fantasia, seis de ficção realista; quatro autoras e seis autores; pelas nacionalidades, três norte-americanos, um japonês, uma malaia de origem chinesa, uma somali, um espanhol, um italiano, um português e um timorense (lusófono - portanto, juntando esta lista com a dos nacionais, sete dos quinze livros indicados foram escritos em língua pátria).

Os livros abaixo estão elencados pela ordem em que os li. Por acaso o favorito foi o primeiro, mas não aponto preferências entre os demais. Alguns já são mais que badalados, mas  tenho certeza de que outros são desconhecidos pela maioria. Espero que curtam as indicações, tanto quanto eu curti ler cada um deles.

Vamos lá?


Golem e o Gênio - Helene Wecker

Nem preciso apresentar, não é? A fantástica história que envolve o gênio Ahmad e a golem Chava em meio a um efervescente bairro de imigrantes em Manhattan, conquistou os corações de muitos leitores. Foi o primeiro livro que li neste ano e não deixou o topo da lista de favoritos, pois, além de ter uma temática que adoro, soma todos os fatores que fazem um livro excelente: história incrivelmente bem urdida, ótimo trabalho de pesquisa, personagens bem construídos, com os quais é fácil simpatizar ou antipatizar (que vilão sórdido!) e uma narrativa que não deixa nada a dever à de Sherazade, Quem não leu ainda, faça um favor a si mesmo/a e leia. Não vai se arrepender nem um pouquinho.

A Assinatura de Todas as Coisas - Elizabeth Gilbert

A autora de "Comer, Rezar, Amar" (que eu comprei, mas não cheguei a ler) brindou seus leitores com uma excelente história: a de Alma Whittaker, estudiosa de botânica, nascida na virada dos anos 1800, disposta a ir até o fim do mundo (eu diria que literalmente) para procurar o objeto do seu interesse, que dá também sentido à sua vida. Um admirável trabalho de pesquisa cria o cenário perfeito para os movimentos de Alma e de outros personagens complexos, críveis, dignos de simpatia e às vezes de pena. Recomendadíssimo.

A Noiva Fantasma - Yangsze Cho

A partir de um costume tradicional da China - o de celebrar o casamento entre uma jovem viva e um rapaz já falecido, a fim de aplacar seu espírito - a autora malaia, de origem chinesa, conta a história de Li Lan, que mergulha no assombroso mundo existente atrás das cortinas da morte, povoado por fantasmas, antepassados e seres não-humanos. Um deles será uma espécie de protetor em sua jornada, mais tarde se revelando como... ora. Quem sabe o que tem do outro lado antes de chegar lá? Quem vai saber como continua sem ler o livro? :)

O Gigante Enterrado - Kazuo Ishiguro

Este não é um livro fácil de ler, tem uma prosa muito densa e trabalhada, mas é um ótimo livro, repleto de significado. Trata-se, antes de tudo, de uma fábula sobre a velhice, sobre a memória e sobre a capacidade de perdão, na qual se acompanha a jornada de um casal de idosos que se dirige à aldeia onde vive seu filho. Seres fantásticos e personagens dos livros de cavalaria dão o toque de sobrenaturalidade, mas eu vejo esse livro como algo profundamente psicológico - e aqui um aviso para quem procura uma narrativa mais leve: "O Gigante"passa longe da literatura de entretenimento. Deixem para um momento em que estiverem mais concentrados e querendo refletir. Aí, vão gostar bastante;

Réquiem Para o Navegador Solitário - Luis Cardoso

Não conhecia, comprei por impulso e não me arrependi nem um pouco. O livro do escritor timorense conta a história de Catarina, uma jovem que sai de sua casa e vai para a fazenda Sacromonte, de propriedade de um capitão dos portos de quem é, ou foi, uma espécie de noiva. Ela se envolve com questões pessoais e políticas enquanto aguarda a chegada de alguém que vem pelo mar - alguém que não é sempre a mesma pessoa, que sempre torna a partir, que sempre a deixa só, porém cada vez mais sólida e madura. Não se trata de uma história contada de modo linear e convencional, a prosa do autor é fantástica, conferindo ao livro um tom de luz e sombra que fascina quem o ler. Vale a pena.

Elantris - Brandon Sanderson

Eu comecei o ano convicta de que leria "Mistborn", de que ouço falar tão bem. Mas é um livro grosso, que está bem bonitinho lá na estante; eu costumo ler no Kindle do celular, e lá tinha esse livro. O cenário é uma cidade que perdeu a Magia e cujos moradores começaram a ser atacados por uma estranha doença, que os obrigava a se retirar e viver em um lugar tenebroso; os protagonistas são um casal de príncipes, prometidos um ao outro, que têm de fazer as coisas acontecerem em meio ao drama pessoal e ao caos político. Embora tenha achado que alguns problemas se resolviam facilmente demais, o livro me agradou pela construção do universo, pela capacidade do autor de nos fazer enxergar os lugares descritos e pelo tratamento que dá à Magia. Mais uma razão para eu me lançar à leitura de "Mistborn" qualquer hora dessas.

O Pomar das Almas Perdidas - Nadifa Mohamed

A autora somali conta as histórias entrelaçadas de três mulheres em meio à ditadura militar, nos anos 1980: Deqo, uma menina num campo de refugiados, Kawsar, uma viúva que se vê presa e agredida por uma soldado, e Filsan, sua agressora, que busca provar seu valor em meio aos colegas e superiores homens, mas irá se transformar ao longo de suas vivências. É um livro forte, com imagens fortes e posicionamentos claros; é uma obra sensível e bem escrita. Boa para ler nos dias de hoje.

Como Deus Manda - Niccolò Ammaniti

Outra obra comprada por impulso, numa banca de rua. A capa diz que ganhou um prêmio literário, e acho que mereceu: a prosa é muito boa e a história é bem construída, com destaque para os personagens Rino (pai) e Cristiano (filho), que se amam e se odeiam em meio a um ambiente de pobreza, violência e desencanto quanto à vida e ao futuro. Para quem gosta de histórias mais cruas.

A Bibliotecária de Auschwitz - Antonio G. Iturbe

Eu quase não sou suspeita, pois sou bibliotecária, mas acho que muitos de vocês conhecem e gostam deste livro. Baseado em fatos reais, conta a história da adolescente Dita, uma das prisioneiras no campo de concentração de Auschwitz, que detinha a importante missão de esconder e proteger os poucos e velhos livros disponíveis para os prisioneiros. Juntamente com Fredy Hirsch, um dos líderes do campo, ela era responsável por manter acesa a chama da curiosidade, do amor à leitura e às histórias - a chama da esperança. É um livro habilmente escrito e com uma bela mensagem.

Índice Médio de Felicidade - David Machado

Num texto fluido e objetivo - mas nem por isso raso - o livro conta a história de Daniel, que está desempregado, longe da mulher e dos filhos e às voltas com amigos tão próximos quanto excêntricos. Um está preso, e seu filho vem se metendo em problemas; outro nunca sai de casa, mas de lá mesmo criou uma rede social cujo objetivo, bastante vago, é de ajudar as pessoas que precisam, em qualquer lugar, a fazer qualquer coisa. A oportunidade de finalmente fazer isso representa uma virada na vida de Daniel. Não achei maravilhoso, mas vale a pena ler e conhecer o trabalho de David Machado, tido como um dos melhores autores portugueses contemporâneos.

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Bom, Pessoas, é isso aí. Já conheciam os livros acima? Não todos, aposto. Dos que conheciam, o que acharam? E dos que nunca tinham ouvido falar, ficaram com vontade de ler algum?

Compartilhem suas impressões. E até breve!

terça-feira, dezembro 27, 2016

Leituras mais Legais de 2016 - 5 Livros Nacionais



Pessoas Queridas,

Como já é tradição aqui na Estante Mágica, vou dar uma palhinha sobre as leituras mais legais deste ano. As indicações são fruto de um cruzamento entre meu gosto pessoal - ou seja, o prazer puro e simples que essas obras me proporcionaram - e o reconhecimento de qualidades literárias dos mais diversos tipos: boa pesquisa, cenário interessante, boa imersão na psicologia dos personagens, estrutura narrativa consistente e por aí vai. Não quer dizer que não tenha havido outros livros igualmente ótimos, mas estes cinco estão no topo da lista de leituras, no que se refere a autores brasileiros.

Vamos lá?


- O Esplendor - Alexey Dodsworth

O primeiro livro da lista, e meu favorito de 2016 entre os nacionais, se passa num planeta chamado Aphriké, iluminado por vários sóis e habitado por uma raça com altas qualidades telepáticas. Num momento de grande comoção, um menino, nascido diferente dos outros, terá de se envolver com bárbaros e rebeldes para descobrir a verdade sobre seu universo. A trama é complexa e envolvente, e a escrita e os diálogos são tão fluidos que o livrão de mais de 400 páginas se escoa sem que a gente perceba. Nomes e detalhes culturais são inspirados na cultura e na mitologia da África, o que transporta você para uma estética e referências relativamente pouco exploradas por aqui (outro autor que faz isso muito bem é João Beraldo, que este ano lançou "Último Refúgio", misturando África e Ásia de forma saborosa; quem não conhece, procure conhecer!).

Voltando a "O Esplendor": por meio de uma sacada genial de construção narrativa, este livro é ao mesmo tempo a prequel e uma sequência de "Dezoito de Escorpião", outra obra do Alexey, que eu considero um dos melhores nomes da literatura fantástica brasileira no momento. No finzinho do ano tive ainda o prazer de ler seu e-book "Glamour", com outra temática, mas muito bom também. Recomendo sem restrições o trabalho do autor.

- Luxúria - Fernando Bonassi

Este é um livro agridoce. Trata de uma família chefiada por um metalúrgico que, por um breve período de vacas gordas na economia, experimentou uma alta no poder aquisitivo e uma ligeira ascensão social. O homem decide então proporcionar um item de luxo à família - uma piscina - sem atentar, pelo menos a princípio, na disfunção das relações familiares, no deterioramento da ética do trabalho, na inversão dos valores socioculturais, quando tudo se resume a ostentação e consumo. As coisas se tornam cada vez mais sufocantes para todos os personagens, o que é potencializado pela extrema habilidade narrativa e descritiva do autor. É uma denúncia, uma crítica, mas sobretudo uma crônica realista e desencantada dos tempos que vivemos.

- Metrópole : despertar - Melissa de Sá

Primeiro volume de uma série de distopia para jovens e adultos, este livro conta a história de Andrella, criada segundo os padrões de uma sociedade em que as pessoas têm de ser absolutamente perfeitas em seus resultados escolares e profissionais. Um acontecimento repentino envolvendo o tio que a criou faz com que a garota se veja subitamente em meio a um cenário impactante, porém oculto por uma pesada rede de intrigas e mentiras. Nada é o que parece, e Andrella talvez não seja o que sempre acreditou ser.

O livro apresenta uma trama bem amarrada e cenário convincente, porém o que mais se destaca é a habilidade literária de Melissa de Sá. Sua escrita, já conhecida por alguns contos, inclusive os das coletâneas "Excalibur" e "Medieval", se destaca dentre a de outros autores surgidos nos últimos anos, que criam cenários interessantes e contam histórias de forma eficiente, mas cujos textos não levam o leitor a um mergulho mais profundo em sensações ou reflexões. Melissa de Sá, ao contrário, evoca imagens com suas palavras, confere textura e volume ao que em muitos outros autores parece bidimensional. Vale a pena conhecer seu trabalho.

- Le Chevalier e a Exposição Universal - A. Z. Cordenonsi

Este livro faz parte de um universo que já rendeu contos, quadrinhos e ainda renderá muito mais, graças à habilidade de pesquisa e criatividade do autor. De estética steampunk, voltado principalmente para o público jovem, faz pensar em várias referências, desde a série "His Dark Materials" de Philip Pullman (no Brasil, "Fronteiras do Universo") até os livros de aventuras de Júlio Verne (que aliás é um personagem importante da obra), os romances de Dickens, os contos de mistério de Sherlock Holmes, contos de robô de Asimov e os quadrinhos do Tintim. No primeiro livro da série, um espião conhecido como Le Chevalier e seu auxiliar tomam a seu cargo a missão de desvendar uma conspiração internacional, ligada à grande Exposição Universal em Paris -- e aí acontece de tudo, intrigas, fugas desabaladas, ajudas inesperadas, perseguições... Tudo que se poderia esperar de um bom livro de entretenimento, ancorado numa sólida pesquisa, que para mim é um dos pontos fortes do trabalho do André. Aliás, tudo isso ficaria bem legal num filme também. :)


- Do Osso ao Pó - Júlio Menezes

Minha última leitura nacional do ano, valeu muito a pena. Já de cara o estilo do autor me fez lembrar aqueles livros da série "Cantadas Literárias", que saiu nos anos 80 pela Brasiliense (onde foram publicados "Porcos com Asas" e "Fliperama Sem Creme", entre outros), e a história que começou de um jeito meio casual rapidamente se adensou de um jeito que me fez ficar grudada no livro até acabar. A histórica contada aqui é a de Eduardo, um cara de classe média, apaixonado de um jeito estranho por uma amiga de escola, Aninha. Entre as idas e vindas com ela, Edu sempre se envolve com as mulheres erradas, com os amigos errados, com as coisas erradas. A narrativa vai e vem no tempo, revelando um cara que até o fim não me pareceu intrinsecamente mau, mas que, com suas fraquezas e obsessões -- ele acha, por exemplo, que pode causar a morte de alguém, bastando desejá-la --, vai se afundando cada vez mais num poço, sem possibilidade de volta. A construção tanto dele quanto dos outros personagens é impagável, e a escrita é saborosa, destacando as "dicas" meio marotas, meio melancólicas que Edu vai deixando acerca da vida, do amor e da inevitabilidade do fim. Realmente adorei conhecer o trabalho do Júlio Menezes.


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Bom, Pessoas Queridas, estas são minhas recomendações de nacionais. E vocês, o que sugerem? Deixem aqui algumas dicas para eu ler no ano que vem.

Até breve, com a lista de estrangeiros!

terça-feira, dezembro 20, 2016

Cena no Mercado



Um pouco mais cedo, estava eu no mercado quando entreouvi a conversa de dois desconhecidos. Um homem e uma mulher, muito distintos, nos seus sessenta e poucos ou setenta anos. A conversa parece ter começado com um comentário casual sobre a aparência das batatas, e logo o senhor estava explicando seu método de fazer batata frita de forno, crocantíssima, com azeite e sal grosso.

Ela disse que gostava de fazer isso com lascas de berinjela.

Ele disse que devia ser uma delícia e contou que sabe fazer todas as sobremesas italianas, panna cota, tiramisu.

Ela disse que não é de comer doce e gosta mesmo é de bacalhau assado, mas não compensa fazer para uma pessoa só, e hoje em dia ela é sozinha.

Ele concordou e suspirou, dizendo que a pessoa, quando gosta de cozinhar, não faz para si, ela quer mesmo é ver os outros comendo e elogiando sua comida, e ele também não tem para quem cozinhar.

Ô, seu Espírito de Natal, essa era sua deixa para fazer esses dois cearem juntos, não era não?

quarta-feira, dezembro 14, 2016

Exposição "Saint-Hilaire e as Paisagens Brasileiras" na Biblioteca Nacional


Pessoas Queridas,

De hoje até o final de fevereiro, a Biblioteca Nacional abriga esta mostra com curadoria de servidores da casa, coordenados por mim. Estão todos convidados a nos prestigiar!

Com sua grande diversidade de fauna e flora, rios caudalosos e matas impenetráveis, o território brasileiro sempre foi visto com fascínio pelos cientistas estrangeiros. Suas jornadas pelo país tiveram como resultado não apenas a descoberta e o conhecimento de novas espécies, mas também saborosos relatos sobre o Brasil e seus habitantes.

Auguste de Saint-Hilaire esteve no país entre 1816 e 1822, financiado pelo governo da França, que, como outros Estados europeus, contava com os cientistas para obter informações sobre o Novo Mundo e encontrar a melhor forma de explorar seus recursos naturais. Durante sua viagem, o botânico recolheu cerca de 30.000 amostras de mais de 6.000 espécies vegetais, que descreveu e catalogou em seus cadernos de campo. Também escreveu sobre os lugares que visitou, com observações detalhadas que, ao se referir à sociedade e aos costumes brasileiros, por vezes assumiam o tom de crítica.

As espécies descritas por Saint-Hilaire se encontram nos três volumes ilustrados da Flora Brasiliae Meridionalis, publicados após seu retorno à França. As paisagens que visitou, contudo, não foram retratadas ao longo de suas expedições; edições posteriores seriam ilustradas com trabalhos de artistas como Jean-Baptiste Debret e Hercule Florence.

Nesta exposição, que comemora o 200º aniversário de sua chegada ao Brasil, o itinerário percorrido pelo naturalista é revisitado através de uma fusão de textos e imagens. Densas florestas, campos gerais com araucárias, o distrito diamantino, índios, tropeiros e gaúchos saltam dos relatos escritos por Saint-Hilaire e ganham forma através das gravuras e desenhos produzidos por outros artistas, alguns dos quais no âmbito de expedições que seguiram o mesmo trajeto, como a de Carl von Martius e a do príncipe Maximilian zu Wied-Neuwied.

Buscamos, assim, contribuir para que a obra de Auguste de Saint-Hilaire, hoje esquecido ou desconhecido por muitos, alcance a devida dimensão aos olhos de nossos visitantes.