quinta-feira, dezembro 21, 2006

Top Books 2006 (parte 2)

Oi, Pessoas! Tudo bem?

Espero que tenham gostado das sugestões do post anterior. Aqui vão mais algumas, também no campo da ficção:

Chove Sobre Minha Infância, de Miguel Sanches Neto. Lúcida, crítica e ao mesmo tempo sensível, esta é a autobiografia de um escritor que, nascido numa família de agricultores, teve de lutar e se rebelar para seguir sua verdadeira vocação. O grande destaque é a figura do padrasto: real, sim, e humano, mas a encarnação do arquétipo paterno. A não perder.

Viagem ao Fim do Milênio, de Abraham B. Yehoshua. A narrativa às vezes difícil não tira o brilho e o interesse desta história passada no limiar do Ano 1000, cuja trama central gira em torno da cultura - e das diferenças culturais - entre os judeus sefarditas e os asquenazis.

Mãos de Cavalo, de Daniel Galera. Na prosa mais exata e detalhista com que me deparei nos últimos tempos, o romance enfoca três fases da vida de um mesmo personagem, mostrando o complexo processo de construção de sua personalidade.

O Segredo da Bastarda, de Cristina Norton. Vale a pena vencer o preconceito que o título pode suscitar em alguns e ler esta saborosa narrativa, ambientada em Portugal (e, en passant, no Brasil) do século XVIII, na qual uma jovem "perigosamente" instruída para o seu tempo desperta o interesse de um certo príncipe João.

O Menino que Amava Anne Frank, de Ellen Feldman. Com mestria - eivada de uma ironia às vezes amarga - a autora inventa uma trajetória, pós-segunda guerra e se estendendo por décadas, para Peter Van Pels, nome verdadeiro do Peter Van Daan do conhecido Diário de Anne Frank. Às vezes culpado, às vezes pragmático, Peter procura se reconciliar com o passado e, principalmente, com a memória de seus pais e de Anne... apenas na ficção, já que o verdadeiro Peter Van Pels morreu num campo de concentração, antes mesmo do fim da guerra. Um livro envolvente, que certamente levará à releitura do Diário.

.....

Eu gostaria de me estender um pouco mais, deixando aqui uma reflexão para o ano que se avizinha. Também visitar cada um de vocês em seu "cantinho", à guisa dos cartões que, como sempre, acabei por não enviar. No entanto, as coisas sempre se atropelam nesta época do ano, e não posso demorar muito por aqui. Resta apenas o tempo justo para desejar a todos um excelente final de ano, com muita paz, harmonia e confraternização entre aqueles que vocês amam... e um início de ano melhor ainda, para todos nós e para este nosso pequeno e bravo planeta azul.

Quanto às dicas literárias, haverá uma pausa, mas não pensem que elas páram por aqui. Em Janeiro serei constante, com sugestões para que vocês se divirtam durante as férias.

Até lá!

Abraços carinhosos a todos. Adoro vocês.

Ana Lúcia

terça-feira, dezembro 12, 2006

Top Books 2006 (parte 1)

Olá, Pessoas,

Tudo bem?

Não posso iniciar este post sem agradecer a todos que, lendo os dois anteriores, deixaram aqui suas palavras de carinho e incentivo. Tanto a Ana-Escritora como a Ana-Mãe as receberam e guardaram no fundo do coração, onde elas ficaram para ajudar na construção de uma Ana-Ser cada vez mais forte e serena. Muito obrigada!

Passada a tempestade - essa, pelo menos - e com Dezembro a meio, já comecei a fazer a minha "lista de decisões para o ano que vem". Como sempre, ela inclui dar mais atenção à Estante Mágica e aos amigos que a freqüentam... e, como sempre, eu suspeito de que não conseguirei ser tão assídua como gostaria. Mas juro que é por falta de tempo e não de vontade.

Agora, para dar início à contagem regressiva, vou cumprir uma tradição deste blog, que é publicar a lista dos melhores livros lidos ao longo do ano. Já fiz listas de 15 e de 20 livros, mas desta vez ela vai ser um pouco maior, visto que tive a sorte de me deparar com excelentes obras, de vários gêneros, em 2006. Aqui vai a primeira leva:

Obras de Ficção (parte 1):

Flor da Neve e o Leque Secreto, de Lisa See. Ambientada na China do século XIX, esta é a história de duas amigas que se correspondem, ao longo de toda a vida, através de uma escrita conhecida apenas pelas mulheres. Um livro bem-escrito, delicado e muitas vezes tocante, com todas as ambigüidades que encontramos ao nos aventurar pela cultura e pelos costumes orientais.

O Paraíso na Outra Esquina, de Mario Vargas-Llosa. Numa de suas obras mais inspiradas ("Tia Júlia" ainda é minha favorita!), Vargas-Llosa entrelaça duas biografias: a de Flora Tristán, pioneira na luta pela igualdade entre homens e mulheres, e a de seu neto, o genial, rebelde e freqüentemente azarado Paul Gauguin. Vale a pena ler.

O Mestre das Iluminuras, de Brenda Rickman Vantrease. Na Inglaterra feudal, Finn, um talentoso pintor galês, arrisca a liberdade (e a vida) para ilustrar a versão inglesa da Bíblia, escrita por John Wycliffe. Por trás dele, um panorama historicamente bem-construído serve de cenário para uma história sem grandes surpresas, mas muito bem-contada.

Na Trilha de Lagoa Santa, de Henrik Stangerup. Biografia romanceada de Peter Lund, o cientista dinamarquês que, em meados do século XIX, se radicou no interior do Brasil, onde viria a descobrir ossadas humanas de mais de 20 mil anos. Para os amantes da Paleontologia, da Arqueologia... e os que gostam de uma boa narrativa.

Estrela de Ana Brasila, de Maria Guimarães Sampaio. História de uma família mestiça - brancos, negros e índios - que, ao longo de gerações, constrói um verdadeiro império no interior da Bahia. A linguagem, não apenas dos personagens mas da narradora, é reproduzida de maneira surpreendentemente natural, envolvendo o leitor da primeira à última palavra. Imperdível.

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E aí? Bem eclético, não?

Espero que estas sugestões lhes sejam úteis. Semana que vem tem mais!

Abraços a todos,

Ana Lúcia

segunda-feira, dezembro 04, 2006

Gelo, Gel... e Godspell

Pessoas queridas,

Se, da última vez em que escrevi, eu estava triste - e por uma razão que, concordo, não tem no fundo qualquer importância - hoje, pelo contrário, estou feliz e aliviada, embora ainda sob o efeito do stress dos últimos dez dias. Não adianta: por mais que a gente racionalize e tente se manter calmo, algumas situações acabam mexendo com nosso lado emocional, e a cabeça entra em parafuso. Principalmente quando isso envolve nossos filhos.

A história é simples, mas teve alguns episódios bem dramáticos. Para resumir: após um tombo aparentemente sem gravidade, Luciana, minha filha de cinco anos, começou a se queixar de dor nas costas, e, embora o primeiro diagnóstico tenha sido trivial - uma contratura nos músculos lombares - houve uma série de fatores que complicaram o desenrolar dos fatos. Para começar, a dor piorou muito nos primeiros dias, o que nos fez suspeitar de coisa mais grave; em seguida, um exame de urina cujo resultado deu errado fez o pediatra pensar em uma séria doença renal; por fim, uma constipação intestinal contribuiu para que as dores aumentassem mais ainda, até o ponto em que, na quinta-feira passada, não nos restou alternativa a não ser correr para o hospital com nossa pequenininha. Lá, para nossa sorte, fomos atendidos por uma médica espetacular: a Dra. Patrícia Figueira, que encaminhou Luciana a diversos exames, incluindo uma tomografia, a fim de descartar qualquer problema que necessitasse de internação e/ou cirurgia. Foi uma verdadeira maratona, para mim, para João, meu marido, e para a própria Lulu, que, além da dor que ainda estava sentindo, passou ainda pelo terror psicológico dos exames, principalmente o de sangue, já que ela não guardava qualquer recordação de vacinas e injeções. Felizmente, os novos exames mostraram que estava tudo OK, a não ser pela contratura e uma sinusite descoberta meio ao acaso - e, no dia seguinte, o ortopedista com quem já tínhamos consulta marcada prescreveu um tratamento com o qual, ao que parece, Luciana já está quase boa. Pronta para outra? Bom, isso ela mesma disse que não!

Quanto a nós, pais e mães, parece que nunca estamos prontos. Sabemos que praticamente qualquer coisa pode acontecer a qualquer um, e em geral até aceitamos quando é com a gente, mas quando é com nossas crianças o céu parece logo ficar negro. Só eu sei o que me passou pela cabeça quando vi o exame errado, quando fiquei ao lado da máquina de tomografia segurando uma ovelhinha de pelúcia, e, principalmente, quando vi minha filhinha chorar com uma dor que eu não tinha como fazer passar. Nem rezar consegui, porque rezar - pelo menos da forma que eu costumo fazer - exige alguma serenidade, e isso naquele momento eu não tinha. E só agora, que tudo aparentemente voltou ao normal, começo a encontrar alguma paz interior, que me permite agradecer ao Grande Espírito a volta dos risos e da alegria de Luciana.

E para isso nada melhor que uma canção.

ALL GOOD GIFTS

(Stephen Schwartz em "Godspell")

We plow the fields and scatter the good seed on the land,
But it is fed and watered by God's almighty hand.
He sends us snow in winter, the warmth to swell the grain...
The breezes and the sunshine, and soft refreshing rain!

All good gifts around us
Are sent from Heaven above.
So thank the Lord, oh thank the Lord for all his love...

We thank thee then, O Father, for all things bright and good,
The seedtime and the harvest, our life, our health, our food.
No gifts have we to offer for all thy love imparts
But that which thou desirest, our humble thankful hearts!

All good gifts around us
Are sent from Heaven above.
So thank the Lord, oh thank the Lord for all his love..

I really wanna thank you Lord!


....

Abraços a todos,

Até a próxima!

Ana

sábado, novembro 18, 2006

Não Quero um Mundo Sem Heróis!!!

Oi, Pessoas... Tudo bem? Espero, como sempre, que sim!

São quase três da manhã e eu estou meio triste. Por ambas as razões, este post vai ser curtinho. E consiste em apenas um desabafo:

- Por que será que, depois de fazer um "trabalho interno" tão grande para me convencer do que o que escrevo é legal; depois de tanta gente ter elogiado; depois de conhecer, pessoal e virtualmente, muitos leitores e escritores de fantasia medieval tradicional - daquelas que eu escrevo, com Elfos, magos e guerreiros - um comentário isolado, até sem intenção de magoar, do tipo "ninguém vai fazer nada de novo dentro disso" consegue me deixar tão pra baixo...?

Espero que vocês não sejam assim, tão suscetiveis. Eu sou, com quase tudo na vida, e é difícil. Minha sorte é não conseguir parar de contar histórias.

A world without heroes
Is like a world without sun
You can't look up to anyone
Without heroes

And a world without heroes
Is like a never ending race
Is like a time without a place
A pointless thing devoid of grace

Where you don't know what you're after
Or if something's after you
And you don't know why you don't know
In a world without heroes

In a world without dreams
Things are no more than they seem
And a world without heroes
Is like a bird without wings
Or a bell that never rings
Just a sad and useless thing

Where you don't know what you're after
Or if something's after you
And you don't know why you don't know

In a world without heroes
There's nothing to be
It's no place for me.


(Kiss)

domingo, outubro 29, 2006

F de Frodo (Parte 2: O Modelo)

Olá, Pessoas! Tudo bem?

Após uma ausência forçada, venho concluir o que ficou inacabado no último post... que é, sem trocadilho, do autor de Contos Inacabados. Mas o livro de que vou falar teve uma conclusão mais do que brilhante.

O Senhor dos Anéis é uma obra em muitas "camadas", cuja leitura pode ser feita em vários níveis: de uma simples (e muito bem narrada) história de aventura até uma trama complexa, repleta de significados relativos à queda, à expiação e à redenção, dentro dos moldes judaico-cristãos como apontam muitos estudiosos. Da primeira vez que li, não fui além da camada mais superficial, e não seria capaz de discutir nenhuma das metáforas apresentadas na obra, nem vou tentar fazer isso agora. Afinal, como já ficou dito no post anterior, meu objetivo aqui não é analisar, criticar ou fazer uma sinopse detalhada da obra, mas sim partilhar as memórias de mais uma leitura que marcou meus primeiros vinte anos.

Apesar de conhecer pessoas que escrevem - e bem - Fantasia sem jamais terem lido Tolkien, acredito que a maior parte dos autores do gênero foi, se não influenciada, ao menos inspirada e motivada por sua obra. Com um estilo grandiloqüente, que mais tarde eu veria comparado ao das Escrituras, Tolkien construiu um universo chamado Terra Média, no qual a criação se originou de uma melodia, uma sinfonia celestial dentro da qual, contudo, não tardou a surgir uma nota dissonante. Era o desejo de poder, germe de uma corrupção que viria a crescer e abalar a Terra Média, ao longo das eras, por meio de diferentes agentes. A cosmogonia, as lendas e a história desse universo se desdobram em várias obras - O Hobbit, O Silmarillion, Contos Inacabados - das quais O Senhor dos Anéis é a mais aclamada. Nesse livro, a trama gira em torno de um anel de enorme poder, que deve ser destruído a fim de libertar a Terra Média das forças do Mal. Para a tarefa é designado um grupo que, no entanto, logo viria a se separar, seus membros passando a empreender jornadas distintas. E dentre estas a mais importante, ao menos para mim quando li a obra, foi a de Frodo Baggins, que, ao lado do fiel criado Sam, superou todos os seus limites físicos e espirituais no esforço de conduzir o anel ao destino final.

Os críticos do livro, seus leitores e - recentemente - os espectadores da trilogia são quase unânimes em afirmar que O Senhor dos Anéis tem mais de um herói. Apontados para essa categoria são Aragorn - cuja importância é maior no filme do que no livro - Sam, o mago Gandalf e outros menos óbvios, como Bilbo, Faramir e até mesmo, de uma forma cruel e irônica, o torturado Gollum. De fato, muitos personagens possuem traços que podem caracterizá-los como heróis, dentro dos vários tipos reconhecidos pela Literatura; mas, se Aragorn é o "herói solar", que retoma o status perdido e casa com a princesa, se Sam é o homem comum (aliás Hobbit) cujas ações o elevam acima de sua condição, foi com o portador do anel, Frodo, que mais me emocionei, pela tragicidade impressa em cada passo de sua jornada. Mesmo depois de ter sofrido na pele, e no espírito, as conseqüências de carregar um tal fardo - pois o anel clama pelo lado escuro da alma de Frodo, que, sem se entregar, vê suas forças serem exauridas - ele continua marcado pela experiência, e, de volta a seu Condado natal, percebe que não consegue se adequar ao dia-a-dia. Sua única possibilidade de reencontrar a paz é embarcar para o outro lado do mar: a metáfora do Reino Eterno cristão, sim, mas também Avalon, Tir Nan Og e dezenas de Terras Sem Males presentes na tradição de muitas civilizações. Assim, Frodo volta as costas a todas as glórias terrenas, e de certa forma as transcende, com isso cumprindo o ideal cavaleiresco de obter sua recompensa na vida além deste mundo.

A essa altura, vocês devem estar pensando que não apenas gostei, mas me identifiquei com Frodo como herói. Na verdade, não foi bem o que aconteceu. É verdade, eu tenho, muitas vezes, uma sensação de inadequação, uma "saudade do que não vi" que já existia e provavelmente era até mais forte naquele tempo. No entanto, como já disse num post anterior - para quem não lembra, foi B de Bastian - não tenho vontade de me evadir, apenas a de me aceitar e me fazer aceita por aquilo que sou: uma pessoa que inventa mundos e povos e histórias, e que, apesar da estranheza que isso pode causar, deixa sempre uma porta aberta para o seu universo mágico.

Nesse sentido, posso dizer que, se A História Sem Fim foi o livro de maior significado em minha vida - por ter me conduzido a essa auto-aceitação - O Senhor dos Anéis também foi muito importante, pois sua leitura me ensinou muito sobre a construção de um universo e personagens verossímeis, ainda que fantásticos (não, isso não é uma contradição. É possível, e necessário, haver plausibilidade em Fantasia). Não sou imitadora de Tolkien, nem tampouco uma de suas fãs mais ardorosas, ou, pelo menos, não do tipo que rejeita tudo que veio depois. Mas sua obra me apontou caminhos que eu teria demorado muito a descobrir sozinha.

Estou muito feliz por ter vocês a percorrê-los comigo.

Abraços a todos,

Até a próxima!

Ana Lúcia

P. S. Às vésperas do Halloween, convido aqueles que ainda não o leram a procurar, na lista de posts passados, meu artigo sobre a comemoração. Não é americanismo: trata-se de uma festa muito mais antiga, significativa e universal do que isso. Acho que vale a pena conhecer suas origens.

sexta-feira, outubro 06, 2006

F de Frodo (Parte 1: Aquisição)

Oi, Pessoas! Tudo bem?

Após (mais uma) longa ausência, eis-me aqui para dar prosseguimento à série Memórias de Leitura. Desta vez com uma obra que, tenho certeza, quem não conhece de livro conhece de filme: O Senhor dos Anéis, de J. R. R. Tolkien, com quase certeza o primeiro livro que li no gênero fantasia.

A história dessa leitura é a história da minha aquisição de proficiência na língua inglesa. Eu explico: aos 16 anos, no segundo ano do segundo grau do Colégio Marista São José – de onde vêm meus traumas com bullying, minha desconfiança relativa a colégios tradicionais e minha aversão à cor marrom-escura – eu nunca tinha feito um curso de idiomas, meu conhecimento do Inglês se resumindo às bases fornecidas por duas aulas semanais. A estrutura da língua é relativamente simples, por isso eu conseguia ler os textos mais fáceis, mas quando estes eram um pouco mais complexos eu tinha muita, muita dificuldade. Ao mesmo tempo, meu interesse por Mitologia, Folclore e temas correlatos estava se “refinando”, o que demandava leituras mais avançadas do que a enciclopédia de mitos legada por meu avô Jorge.

Nessa época – por volta de 1985 – chegou às livrarias uma versão traduzida de O Senhor dos Anéis, que foi anunciada nos jornais e recebida entusiasticamente pelos meus (poucos) amigos apreciadores de Literatura. Se era a edição da Martins Fontes, que hoje publica Tolkien no Brasil, ou uma edição portuguesa, ó pá, não tenho certeza. O que me lembro é que foi com a firme intenção de adquirir os volumes que, uma tarde depois das aulas, fui à Livraria Leonardo da Vinci, no Centro do Rio, acompanhada por um amigo que já era useiro e vezeiro naquelas duas salas.

(Para quem não é do Rio: a Da Vinci, que funciona no subsolo de um prédio comercial, é a mais antiga livraria de obras importadas da cidade, e na minha opinião é a melhor. Se a gente não tomar cuidado se perde lá dentro).

Então, lá estava eu, com a edição do Senhor dos Anéis nas mãos. Era cara, mas eu já tinha ido sabendo o preço e podia pagar, então não foi um choque muito grande. Também, era uma edição bonita, em três volumes, de capa dura... mas à qual, observou meu amigo, faltavam os mapas e glossários que ele conhecia de edições estrangeiras. E como, Ana de Deus, como você vai ler O Senhor dos Anéis sem mapas e glossários?

Enquanto discutíamos essa (im?)possibilidade, eu namorava, com os dedos e os olhos, uma outra obra que encontrei na mesma estante: um livro chamado Medieval Epics, publicado por uma universidade inglesa, que continha nada menos que quatro clássicos: “Beowulf”, “A Canção de Rolando”, “A Canção dos Nibelungos” e “El Cid”. Era um volume de umas 800 páginas, de capa dura, portanto achei que devia ser caro, mas – surpresa – era tão barato quanto um daqueles livrinhos da Ediouro que eu costumava comprar. Só não dava para acumular com O Senhor dos Anéis, pensei, com tristeza... que durou até o momento em que meu talentoso amigo resolveu o problema. Vendo que eu me dispunha a encarar os textos em Inglês, ele achou, duas ou três prateleiras abaixo, uma edição em pocket book do mesmo livro, também em três volumes, em papel ordinário é claro, mas que continha os – preccciosssos! – mapas e glossários. E que era mais barata que os épicos medievais. E que me permitiu não só adquirir as duas obras naquele dia, mas também juntar a eles um livrinho de contos de fadas escoceses e, ainda, convidar meu sábio e merecedor amigo para um delicioso milk-shake no Bob´s. Perfeito!

E aí, naquela noite, começou meu “mergulho” no Inglês. Um capítulo todas as tardes sem falta, e às vezes mais um à noite, sempre com o dicionário do lado, que eu usava quando não conseguia entender nem mesmo o sentido de uma frase. Se era só uma palavra que faltava, eu ia em frente: sempre fui adepta desse método mais solto. Pelas verdes colinas do Condado e nas Minas de Moria, na floresta de Tom Bombadil e na corte de Lórien, lá fui eu, caminhando sempre... até que, já sem precisar do dicionário, sem limitar a leitura diária a um ou dois capítulos, passei a seguir fervorosamente os passos de Frodo Baggins rumo a Mount Doom.

.......

Até aqui tudo bem? Espero que sim. Gastei uma página inteira falando sobre a aquisição da obra e de um segundo idioma, mas minhas memórias de leitura não ficam por aqui. Dentro de alguns dias voltarei, não para fazer um resumo ou uma análise de O Senhor dos Anéis - para isso há muitos especialistas – mas para falar sobre o impacto que a obra teve sobre mim, como leitora iniciante e futura escritora de fantasia.

Conto com vocês!

Abraços a todos,

Ana Lúcia

domingo, setembro 17, 2006

Jorge Faria Cem Anos

As lágrimas secaram,
cristais
a luzir caminhos.

Já não sei de teus livros,
de tuas ferramentas,
das pequeninas coisas mágicas
que te saíam das mãos.

Mesmo dos versos que reescrevias
não guardei uma linha.

Porque pude conhecer-te,
não me importou nenhuma herança,
a não ser essas memórias que carrego
como mala de mascate.

Porque tanto me ensinaste,
não te darei um minuto de silêncio,
mas uma vida de histórias.

.....

Em memória de meu avô, Jorge Merege (1906-1989),
que me apresentou aos mitos gregos e a Sherazade.

quarta-feira, setembro 06, 2006

Jujubas em Athelgard

Pessoas Queridas,

Eu juro, eu juro que queria ter postado antes. Mas não consegui. Nestes últimos dias, à exceção de questões familiares e profissionais às quais não posso me furtar, não tenho conseguido me concentrar em nada, a não ser na escrita da trilogia. Espero que valha a pena, quando ela vier à luz...!

Estou muito animada com isso, pois venho produzindo bastante. No dia 25 de agosto pus um ponto final no segundo livro, Um Ano e Um Dia, e comecei a escrever o terceiro, A Fonte Âmbar. Mais uma vez, notei uma grande coincidência, ou mais, sincronicidade em relação à escrita, pois, enquanto o primeiro livro, O Castelo das Águias - que é narrado por uma contadora de histórias - foi iniciado no Dia do Escritor, 25 de julho (de 2005), este, que se passa durante uma guerra, começou no Dia do Soldado. Nada disso foi intencional, e pode ser que seja uma bobagem conferir-lhe alguma importância, mas... bom... eu continuo levando fé nas teorias de Jung.

Fé, aliás, é o que eu espero que não me falte em relação à publicação destes livros. Jamais acreditei tanto numa história e em personagens criados por mim, e sinto uma grande necessidade de compartilhá-los. Depois da trilogia escrita e revisada, eu adoraria despertar o interesse de uma editora, que não apenas imprimisse (isso eu posso fazer por minha conta) mas também distribuísse e divulgasse as minhas obras. Sei que isso é difícil, já que sou uma autora completamente desconhecida e escrevo para um "nicho" restrito de público, mas mesmo assim vou tentar, pois acho que vale a pena. Claro que não descarto a possibilidade de fazer como fiz com os outros livros, uma edição pequena vendida apenas através do blog ou de uma editora virtual - é o que vou acabar fazendo se não conseguir de outro jeito - mas vou me empenhar para que dessa vez seja diferente.

E estou com um monte de idéias meio malucas em relação a isso. Noutro dia, estava lendo um texto da autora de livros juvenis, Thalita Rebouças, que, diante do fato (cruel, mas verdadeiro) de que as editoras recebem milhares de originais que nem chegam a analisar, sugeria que o material fosse enviado de maneira a causar impacto visual. Dentro de uma caixa colorida cheia de jujubas, por exemplo. Bom, eu não acho que jujubas combinem muito com Athelgard e as Águias Guerreiras, por isso estou pensando em confeccionar umas caixas ou envelopes que lembrem a entrada de um castelo e neles enviar meus originais. Tomando por base a sugestão da minha querida Lydi (nos comentários do post anterior), que muito me encheu de orgulho, penso também em fazer um projeto megalomaníaco, apresentando a trilogia não apenas como obra literária, mas como a base de um sistema de RPG que poderia gerar jogos, manuais e todo tipo de produto secundário. Por que não? Tanta gente envia cartas apresentando seus livros como "o próximo best-seller"!

Mas isso ainda está apenas no plano dos sonhos. O que existe de concreto: dois livros escritos e outro a caminho, cujos originais têm sido elogiados por pessoas que são minhas amigas, mas também leitoras contumazes de Fantasia. O apoio e a paciência desses mesmos amigos. E a minha imaginação, que percorre livremente os caminhos de Athelgard. Por tudo isso, vale a pena lutar.

Um beijo carinhoso. Volto assim que puder.

Ana Lúcia

terça-feira, agosto 15, 2006

Saga : um poema da adolescência

Oi, Pessoas! Tudo bem?

Pois é, foi mais uma longa ausência. Mas eu aproveitei bem o tempo. Finalmente, na terceira tentativa, acabei de ler Grande Sertão: Veredas, além de outras obras menos conhecidas, mas excelentes, que já entraram para a lista do "Top 20 2006". Também acabei finalmente de escrever o capítulo 30 de Um Ano e um Dia, que exigiu bastante, por ser o do clímax, e agora estou finalizando o livro e fazendo pesquisas para o próximo. Isso porque, como vocês sabem, o fato de escrever Fantasia não nos libera da necessidade de conferir coerência e verossimilhança ao texto literário. Pelo contrário! É preciso ler, pesquisar, tomar conhecimento daquilo que de fato existe (ou existiu) para construir um universo ficcional que seja plausível. Li muito sobre piratas para escrever esse segundo livro da trilogia, e para o terceiro estou lendo sobre exércitos da Antigüidade e da Idade Média, já que boa parte da obra se passa numa cidade de vocação militar. Estou me baseando em instituições de Roma e de Esparta para descrever a organização social e política da minha Scyllix. Se no fim o livro não ficar bom... pelo menos terei aprendido um pouco mais sobre História. :)

Mas este post não é para falar sobre isso. Ao menos não diretamente. Eu já tinha comentado aqui que pretendia usar alguns de meus poemas, escritos na adolescência, nos livros da trilogia do Castelo das Águias. Por estes dias, estive relendo meus velhos cadernos e escolhendo aquele que poderia atribuir ao protagonista, Kieran de Scyllix. Ele os teria escrito por volta dos 15, 16 anos - a mesma idade que eu tinha ao "cometer" o poema -, quando era aprendiz de Mael, um mago a serviço do exército da cidade. Fiquei indecisa entre três textos e acabei por me decidir - mais ou menos - por um, que deixo aqui como amostra da minha produção adolescente. É meio mal-ajambrado, e, talvez, desnecessariamente dramático. Mas serve exatamente para o que eu quero no contexto do livro.

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Saga

Se são muitos os homens
São muitos os deuses.
E, perdido entre as sombras dos astros,
Encapuzado, tresnoitado, pálido,
Eu busco a cada noite, entre labirintos,
O caminho que me torne um mago,
O caminho que me torne sábio,
O caminho que me torne livre.
Com o vento em minhas vestes
E um archote desafiando as estrelas
Eu firo minhas mãos escalando montanhas,
Curvo meus ombros penetrando cavernas,
Caio de fadiga palmilhando estradas.
São muitos os caminhos e uma só chegada,
E mil talismãs para abrir cada porta,
E mil profecias em torno de um só nome.
E quantas lendas haverá um dia
Contadas em redor do fogo?
E quantas falarão de mim?
São muitas as sagas
E muitos os heróis,
E eu sou apenas um dos que procuram.
Um andarilho, solitário entre aldeias,
Viajante sem estrada,
Nômade sem pouso.
Pois são muitos os mestres
E muitos os discípulos,
E eu sou apenas um homem.
Um homem em busca de um mistério
Que se deixe revelar.


.......

E aí? Não é tão ruim assim, é?

Gostaria que vocês me dissessem que tipo de pessoa parece ser aquela que escreve um poema assim. Na época já não era eu: ele foi escrito pensando num outro personagem, de uma história que acabei por não desenvolver até o final. Uma das minhas muitas personas, num exercício anterior à maturidade, que agora volta "repaginada" nessa trilogia.

Aguardo sua opinião. Obrigada desde já!

Abraços a todos,

Ana Lúcia

quarta-feira, julho 26, 2006

Um Ano e Um Dia... Dia do Escritor!

Pessoas Queridas,

Vocês devem estar estranhando me ver de volta tão cedo. Afinal, os intervalos entre meus posts têm sido de no mínimo dez dias, até mais... e pouca gente comentou o post sobre O Gênio do Crime. Vejam lá, não deixem de lê-lo só porque tem um novo! ;)

Este, na verdade, é "requentado". É um post datado de 24 de julho de 2003, em homenagem ao Dia do Escritor, que se comemora a 25 de julho. Naquele ano ele entrou um dia adiantado, neste vai entrar com um dia de atraso, mas não importa. Eu não queria deixar em branco, e tenho outros motivos para comemorar.

No ano passado, foi exatamente no Dia do Escritor que dei início à trilogia de fantasia medieval que tem ocupado meu tempo e meus pensamentos. A primeira versão do livro 1, O Castelo das Águias, foi escrita numa das minhas "febres ficcionais": 112 páginas, digitadas em Times tamanho 10 e espaço 1,5, em apenas 10 semanas. No dia 20 de outubro comecei a escrever o segundo livro da trilogia, cujo título é tão alusivo que até parece de propósito: Um Ano e um Dia. Isso porque hoje - justamente hoje - faz um ano e um dia que comecei a contar essa história!

Então, como forma de celebrar, aqui vai a homenagem ao Dia do Escritor, que postei dois anos atrás. Hoje meu estilo é um pouco diferente, mas fiz questão de não mudar uma vírgula, só para dar uma idéia de como minha escrita se transformou. Alguns de vocês sabem disso, pois estão comigo desde aquele tempo até hoje - eu lembro, e isso foi reiterado pelos comentários, felizmente ainda guardados na versão blig da Estante Mágica. O Morpheus, do Olhos do Corvo estava lá; a Janinha, que sumiu por um bom tempo e reapareceu agora, estava lá; e foi naquele post, onde eu lembrava ter escrito histórias ambientadas na revolução farroupilha, que o Milton Ribeiro me contactou pela primeira vez. Peço perdão aos presentes e ausentes que não citei, e garanto a todos: vocês foram, são e sempre serão muito importantes. Porque foi neste blog, a partir do incentivo que recebi dos seus leitores, que deixei de ser uma simples "rabiscadora" para aceitar o desafio de construir, ainda que aos trancos e barrancos, minha carreira como escritora de fantasia.


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Salve, Pessoas! Tudo bem?

Este post devia estar entrando amanhã, dia 25 de julho, quando se comemora o Dia do Escritor. Mas, como amanhã não devo ter tempo – e como, além disso, eu exerço meu ofício todos os dias – creio que não há problema em deixar agora, de véspera, algumas palavras sobre o que é para mim o ato de escrever.

“Para mim” não significa que vou teorizar sobre o ato, mas, pelo contrário, que pretendo falar sobre a minha própria experiência. Cada escritor, penso eu, tem a sua, assim como cada pessoa tem a sua própria maneira de se relacionar com seus deuses e seus demônios. Alguns escrevem para relatar fatos, outros para dar vazão aos seus sentimentos; alguns se atêm a técnicas e a um estilo, enquanto existem os que apenas rabiscam furiosamente. Há os que procuram ser inovadores na forma e geniais no conteúdo, e há os que declaram que buscam apenas contar uma boa história; e, depois de muito tempo, acho que finalmente cheguei à conclusão de que pertenço a essa confraria.

Foi um longo percurso, cheio de altos e baixos, desde os primeiros escritos – alguma coisa sobre um mundo povoado apenas por crianças, quando eu tinha cinco ou seis anos – passando por temas improváveis, como bandeirantes e heróis farroupilhas, e por histórias sobre astros de rock, nas adolescência, até chegar aos temas históricos e mitológicos que ainda hoje são o pano de fundo de minha ficção. A fantasy veio mais tarde, surgindo a partir das histórias que eu contava a minhas sobrinhas, e que aos poucos foram escorregando e se deixando fixar no papel. No início, minha escrita era meio preciosista – alguns ecos disso podem ser encontrados em “O Caçador” – mas hoje acredito que meu ritmo seja mais fluido, e as histórias, mais ágeis e leves. Não que estejam prontas e acabadas, é claro... E aqui eu tenho até medo de continuar, pois vou acabar falando sobre aquilo que, para mim, é inerente à criação literária: a terrível, a inevitável, a bendita e indispensável ansiedade.

Ela está presente em todos os momentos, mesmo os mais felizes, quando termino uma passagem difícil, quando coloco num texto o ponto final. Está presente quando escrevo e quando reviso, quando procuro a palavra certa e reescrevo mil vezes uma frase, e até mesmo, ai de mim, quando não escrevo. Talvez seja exatamente quando ela se torna mais viva: quando fico imaginando as histórias, criando cenas e diálogos em pensamento, para depois me desafogar em folhas e folhas de prosa. Não sei se todos os escritores se sentem dessa forma, mas imagino que sim, pelo menos em certo grau. E certamente foram muitos os que tentaram seguir o conselho de Rilke ao jovem poeta, e simplesmente não escrever... se fossem capazes de viver sem isso.

Mas acontece que muitos de nós não somos capazes. E temos que escrever, seja lá como for, não importando os sacrifícios que precisem ser feitos. Para alguns, as condições são mais favoráveis – Veríssimo, por exemplo, teve as tardes de domingo livres para escrever “Clarissa” – mas Lima Barreto usava o papel do Ministério da Marinha, Balzac gastava seus olhos escrevendo à luz de velas num sótão frio, e Jack London, meu irmão de totem, datilografava novelas após dezesseis horas de trabalho numa fábrica. E, à parte as questões materiais, quantos de nós não nos privamos de horas de sono e de lazer, e limitamos o tempo passado com nossos amigos e nossa família?

E, apesar de tudo, continuo achando que vale a pena. Para mim, pelo menos, que liberto meus sonhos através da escrita, que com ela exorcizo meus fantasmas e procuro construir mundos melhores. Quando escrevo, percebo como estou crescendo: na vida, na forma como ajo, nas coisas que faço. Porque, assim como não posso viver sem escrever, sei também que nenhum texto merece ser escrito sem que por trás dele exista vida. E o mais fascinante é que, apesar de todas as angústias, no fundo nosso ofício é tão simples quanto o define a frase de Wilde:

Para escrever bastam duas coisas:
Ter algo a dizer, e dizê-lo.


......................................

Que a Musa nos inspire e nos ilumine a todos!!


Abraços carinhosos,

Ana Lúcia

sexta-feira, julho 21, 2006

E de Edmundo, Pituca e Bolachão

Oi, Pessoas! Tudo bem?

Prosseguindo com as minhas Memórias de Leitora, chego à letra E, que duas pessoas já apostaram que seria de Emília. Bom, sinto desapontá-los, mas, embora reconheça o valor da obra de Lobato - e aprecie, principalmente, os livros nos quais o autor envereda pela Mitologia - este post é dedicado ao trio protagonista de um dos livros mais queridos, lidos e relidos da minha infância: Edmundo, Pituca e Bolachão, de O Gênio do Crime, do brasileiro João Carlos Marinho.

O Gênio do Crime conta a história de três meninos de classe média de São Paulo que ajudam a desmascarar uma quadrilha de bandidos. O crime não é dos mais hediondos - numa gráfica clandestina, a quadrilha imprimia figurinhas falsificadas de um álbum sobre futebol - mas, quando um dos garotos é apanhado em flagrante, o perfil dos bandidos se torna mais sombrio, e por isso mesmo mais realista. Realista e, ao menos naquele tempo, assustador. Afinal, na época em que o li - já lá se vão quase trinta anos - a violência que hoje faz parte do nosso cotidiano ainda não se tornara tão banal, e a idéia de uma criança (mesmo uma como o Bolachão) mantida em cativeiro, ameaçada e à beira de ser torturada e morta por criminosos bastava para deixar o coração em sobressalto.

O suspense, porém, é apenas um dos pontos altos do livro de Marinho, que - outros já disseram, mas eu assino embaixo - promoveu uma verdadeira revolução na literatura infanto-juvenil, com a temática policial, uma trama ágil, diálogos soltos e naturais, personagens inesquecíveis (quem não lembra do Detetive Invicto?) e um humor que perpassa todo o livro, com elementos que denotam um finíssimo poder de observação. Algumas cenas ficaram para sempre em minha memória: a da conversa entre os três amigos, entremeada pela descrição de Bolachão a comer torradas, num timing perfeito; a do mesmo Bolachão em seu namoro com Berenice, sua gentileza máxima consistindo em abrir mão do último croquete oferecidos pela menina; por fim, a da prisão dos bandidos, em que um constrangido "Puxa vida, que coisa, né?" é a única coisa que o herói é capaz de dizer ao filho pequeno de um dos captores, responsável por descobrir e denunciar, involuntariamente, o crime de seu pai. Tosco (diríamos hoje), mas pensem bem: dizer mais o quê? O que mais poderia ser dito que não soaria como uma lição de moral ou pieguice inútil?

É dessa moral, dessa pieguice, presentes em boa parte da literatura para crianças e jovens, que Marinho consegue se manter afastado. E faz isso com mestria, ora através da inversão do clichê - o Sr. Tomé, dono da fábrica de figurinhas, participa de boa vontade da farsa usada pelos meninos para descobrir a gráfica clandestina, o que inclui enganar seus pais e um diretor de escola - ora através das tiradas desconcertantes de personagens como Berenice: "os garotos da segunda série só sabem contar anedotas elementares e são muito prosaicos". Se a Luciana ficar assim, estou perdida. Mas, enfim... talvez tanto uma como outra estejam dentro do mesmo espírito de "Independência ou Morte" da Emília de Monteiro Lobato.

O Gênio do Crime foi publicado em 1969, o ano do meu nascimento (por favor, não façam as contas!). Meu exemplar era, para variar, da Ediouro - ou muito me engano -, mas atualmente João Carlos Marinho é publicado pela Global. Isso porque, na esteira do sucesso do primeiro livro, que já passou da qüinquagésima edição, o autor escreveu mais doze obras sobre a Turma do Gordo (alguma dúvida sobre quem é o verdadeiro protagonista, mesmo em O Gênio do Crime? eu não tenho), com temas variados como o futebol, a Amazônia e até a pedofilia pela Internet. O último, Assassinato na Literatura Infantil, saiu no ano passado. Não li - na verdade, quando tive o livro em mãos, não me dei conta de quem era o autor - mas estou com vontade de comprar, para ver como é ler, hoje, um autor que me encantou e me divertiu há tantos anos. Não sou mais criança, é verdade. Lerei com outros olhos. Mas, mesmo assim, tenho certeza de que vou reviver os bons momentos que passei em companhia da escrita de Marinho.

Abraços a todos,

Até a próxima!

Ana Lúcia

sexta-feira, julho 07, 2006

Entre Gerações

Pessoas Queridas,

O post de hoje deveria ser apenas para homenagear o Professor Poli e a Mãe de Todas as Lus - traduzindo: meus pais, Prof. Antonio Policarpo e D. Luiza - que hoje completam nada menos que 50 anos de casados. No entanto, um telefonema, esta manhã, para felicitar o casal me fez pensar que tenho outro motivo de comemoração... Confiram:

(O telefone toca)

Prof. Poli (atendendo com voz de barítono): Alô?
Ana: Pai?
Prof. Poli (que é o pai de todas as Lus, pensando tratar-se da outra filha): Quem é? Maria Luiza?
Ana: Não, pai, sou eu, a Ana.
Prof. Poli: Ah! Ana! Tudo bem? Que é que manda? (é assim que ele fala)
Ana: Não mando nada. Só liguei pra dar os parabéns pelos 50 anos de casamento.
Prof. Poli: Ah! (meio constrangido) Obrigado! É um bocado, né?
Ana: Pois é.
Prof. Poli (passando a bola). Quer falar com sua mãe? (sem esperar resposta). Vou passar pra ela... Ah! Como está a garotinha?
Ana: Está ótima!
Prof. Poli (que, com 78 anos e seis netas, está meio "detraqué" quanto ao tempo): É a... a Luciana, né? Ela está bem? Já está falando tudo?
Ana (rindo). Falando só não, pai. Ela tá... tá LENDO tudo!


E nesse ponto sou eu que me sinto meio "fora do tempo", espantada com a súbita compreensão de que as coisas mudaram, avançaram... e que a garotinha que chamava hipopótamo de popopum e que, um ano depois, apenas rabiscava seu nome em letras de forma já é uma leitora!

Isso mesmo: uma leitora! E das boas - daquela que pega um livro de 16 ou 24 páginas e manda ver, do princípio ao fim! Claro que, na idade em que ela está - cinco anos e meio: é inteligente, mas não uma criança-prodígio - lê em voz alta e ainda tropeça em algumas palavras - mas está lendo, e, o que é mais importante, gosta muito de ler! Na escola, onde todos estão mais ou menos motivados nas aulas, ela está a todo vapor, e em casa... ah, em casa, com livros de todos os tipos em todos os cômodos, nem se fala. Vocês, que me conhecem, devem imaginar como estou orgulhosa com isso, e como ao mesmo tempo procuro ter em mente que devo facilitar as coisas para ela, mas sem forçar, a fim de que essa leitura por simples prazer floresça (ou não, quem sabe?) com o máximo de naturalidade nos próximos anos. Mas que estou feliz da vida, admito que estou. E com os meus pais também, porque, se hoje partilho o amor aos livros com minha filha, se ele enriquece tanto a minha vida, é a eles, primordialmente, que devo isso.

Assim, tenho a honra de comunicar que a linhagem de grandes leitores da família Merege já tem mais um membro, e que a Estante Mágica de Luciana já começa a se formar, com novas e importantes aquisições. Por enquanto, como Alice, ela só gosta de livros com figuras. Mas, quando isso mudar, ainda assim espero que continue a visitar os reinos de Fantasia.

Um grande abraço a todos,

Até a próxima!

Ana Lúcia

sexta-feira, junho 23, 2006

D de "Doidinho"

Oi, Pessoas! Tudo bem?

O quarto post da série Memórias de Leitura será, certamente, mais curto e menos revelador que os demais. Isso porque, enquanto os livros aos quais se referiram os primeiros três foram tão importantes a ponto de influenciar meu trabalho como escritora, aquele do qual vou falar hoje foi apenas um livro que gostei muito de ler. Que li diversas vezes. Que me levou a outras leituras e me introduziu num universo até então desconhecido.

A obra da qual estou falando é Doidinho, um dos romances do ciclo da cana-de-açúcar de José Lins do Rego e a continuação do seu livro de estréia, Menino de Engenho. Neste, o protagonista, o menino Carlos de Melo – Carlinhos, em família – vai viver com seu avô, o Coronel José Paulino, dono do engenho Santa Rosa e, de certa medida, também de seus moradores. No segundo, encontramos o mesmo Carlos, um pouco mais velho mas ainda menino, enfrentando outra comunidade de opressores e oprimidos: o Instituto Nossa Senhora do Carmo, mais conhecido como “o colégio do Seu Maciel”, onde ele se torna um dos alunos internos e recebe o apelido algo cruel de “Doidinho”. À exceção de umas férias passadas no engenho do avô de Carlos, toda a ação do livro transcorre dentro do colégio, cujo cotidiano é hábil e dolorosamente dissecado pelo narrador. Da péssima comida (que não tinham o direito de recusar) aos piolhos de que todos estavam contaminados, dos banhos de cuia aos “bolos” de palmatória, do professor autoritário ao colega de hábitos perversos, cada ação, pensamento e sentimento de “Doidinho” se revelam para o leitor como um nervo exposto. E alguns de seus companheiros são tipos dignos de figurar numa Comédia Humana.

Recentemente li uma crítica segundo a qual “Doidinho” é um dos melhores livros a retratar a realidade da juventude e da educação no Brasil; que as situações e personagens são tão verossímeis que, mesmo após muitas décadas, muito do conteúdo permanece atual. Isso, para mim, é um fato: enquanto Sérgio e seus colegas do “Ateneu” ficaram no século XIX, os meninos e rapazes de “Doidinho” quase poderiam ser “transportados” para um cenário moderno, guardadas as diferenças de linguagem (seriam tantas assim?) e suavizados, um pouco, os métodos pedagógicos. Para o protagonista, vindo de um meio rural e do espaço aberto, o confinamento no ambiente e na sociedade do Nossa Senhora do Carmo é uma ruptura e um pesadelo – e o abismo se torna ainda maior quando Carlos confronta sua realidade com a que lhe é apresentada em “Coração”, livro de Edmundo de Amicis que, já tendo sido apontado como substituto do manual escolar, era lido também pelos alunos de Seu Maciel. Nele, a escola era boa, amigável; os mestres eram sábios e dedicados; os próprios estudantes eram alunos e crianças quase perfeitas, aquilo que “Doidinho” jamais teria condições de vir a ser. Sua fuga, no final, de volta ao engenho do avô representa a desistência de seguir aquele modelo, de se deixar moldar, a ferro e fogo, tão dolorosamente como o amigo “Coruja”; no entanto, ao contrário deste, obrigado a “mudar de lado” e se tornar bedel para prosseguir os estudos, o neto do Coronel José Paulino encontrou (ou teve quem lhe encontrasse) uma outra saída, já que, em romances posteriores como Bangüê e O Moleque Ricardo, ele aparece devidamente bacharelado como o “Doutor Carlos de Melo”.

Da primeira vez que li “Doidinho”, lembro, eu tinha oito anos de idade. Menos que o suficiente para entender o xingamento de um dos colegas de Carlos (filho da quê? Mãe, o que que é p***?) mas o bastante para que a explicação (incompleta, claro) não me satisfizesse. Como não me satisfaço com pouco, em breve li também o Menino de Engenho, depois O Moleque Ricardo e Fogo Morto, e essas foram minhas primeiras incursões no universo do romance regionalista nordestino. Não muito mais tarde, as obras de Rachel de Queiroz e Graciliano de Ramos viriam se somar à minha percepção desse mundo e de sua sociedade, e tardiamente viriam outros como Suassuna; mas, embora admire a todos esses, os livros de Zé Lins continuaram ocupando um lugar especial. Vai ver que é porque eles foram os primeiros... ou porque ele conta histórias tão bem quanto sua outra protagonista, a Velha Totônia. Vai-se saber?

De qualquer forma, a leitura de “Doidinho” foi um prazer repetidamente saboreado na minha infância, o qual eu não podia deixar de registrar aqui. Infelizmente, a edição da década de 60 da José Olympio, com a capa esfrangalhada e papel amarelado, já não está na minha, nem em nenhuma outra estante “real” da família. Que a memória fique, então, na Estante Mágica. Vale a pena guardá-la.

Abraços a todos,

Até a próxima!

Ana Lúcia

segunda-feira, junho 12, 2006

Do Meu Caderno de Sonhos

12/06/2006 - 5:22

Sonhei, a noite toda, que estava voando. Numa coisa que parecia uma vassoura de vários lugares. A sensação era boa, mas no sonho eu não era eu, e sim um menino de uns oito anos, de cabelos escuros. De alguma forma, meus pais temiam por mim, mas sabiam o que estava acontecendo. Minha mãe (no sonho completamente diferente da verdadeira) estava zangada com a mulher que me ofereceu aquele instrumento de vôo. Eu estava fascinada (o, na verdade), mas tinha um pouco de medo. A vassoura se inclinava para trás e eu achava que ia cair, mas não caí nem uma vez. Voei não muito alto nem muito longe, sobre o que parecia um estábulo ou outra construção de madeira entre muralhas de pedra. Não me lembro se houve aterrissagem; tenho a impressão de que acordei quando a "vassoura" ainda estava no ar.

....

Queridas e pacientíssimas pessoas,

Não sei se já disse isso a vocês, mas não costumo sonhar muito - ou, mais provavelmente, não me lembro dos meus sonhos. Houve uma época em que isso acontecia, mas, depois que deixei de lado os exercícios de relaxamento e concentração (um dos meus passados... um dia conto!), os sonhos começaram a ficar esquecidos, lá no canto de onde eles vêm. Quando acontece de acordar e me lembrar, então anoto, e foi isso que fiz esta madrugada. Agora, partilho com vocês, com alegria porque foi um sonho "bom", que me fez sentir melhor do que nos últimos dias.

Também acredito que tenha um significado, e que este misture imagens das histórias que costumo escrever com sensações e conteúdos inconscientes, relativos à minha vida pessoal. Mas devo parar por aí, porque não sei interpretar sonhos, e além disso minha interpretação seria parcial.

E quanto a vocês? Alguma sugestão?

Fico à espera... e deixo aqui um grande abraço, molhado da chuva que não pára de cair.

Até a próxima,

Ana

P. S. Minha lista de "coisas a fazer" até que andou. Fiz a adaptação do Pluft. Só lamento que a Luciana ainda não esteja na classe de alfabetização e, portanto, não vá participar. Ela ficaria perfeita de fantasminha. :)

quarta-feira, maio 31, 2006

Tudo Que Eu Ainda Não Fiz

Sempre precisei de um pouco de atenção.
Acho que não sei quem sou,
Só sei do que não gosto.
E destes dias tão estranhos...
Fica poeira se escondendo pelos cantos.

(Renato Russo. Teatro dos Vampiros)


.....


Pessoas queridas,

Falta de tempo e organização é um caso sério. Estou numa fase ruim, cheia de raiva impotente e autocomiseração por não fazer as coisas que planejo. É como se todos os dias eu fizesse uma lista de desejos e nenhum deles fosse realizado. Ou, pior, é como concluir que eu nem mesmo tentei esfregar a lâmpada.

Maio está no fim e eu não realizei nem metade das coisas que pretendia. Não li nenhum dos livros da minha lista (li outros), não escrevi nenhum dos contos curtos que pretendo enviar a um concurso, nem comecei a adaptar Pluft, o Fantasminha para a peça da escola da Luciana. Não vi concluírem a instalação do gás natural, continuo com a casa semidestruída e meus livros queridos empilhados no corredor. Não viajei. Não fui a exposições nem ao cinema. Não procurei fazer nenhum contato para dar cursos, e o da Casa da Leitura acaba hoje sem que eu tenha providenciado a lista de coletâneas de contos que prometi a meus alunos. Não preparei as atualizações para o livro, que já está esgotando outra vez. Não guardei dinheiro para a reimpressão. Não convidei meus amigos para irem a Niterói (nem vou, enquanto o apartamento estiver desse jeito). Não atualizei o blog todas as semanas. Não. Ainda não pude.

Algum de vocês já teve essa sensação de viver pendurado no "ainda não"?

segunda-feira, maio 15, 2006

C de Cyrano

Oi, Pessoas! Tudo bem?

Hoje - finalmente - prossigo com a série Memórias de Leitura. E falo de um personagem que me é muito caro: Cyrano de Bergerac, protagonista da peça do mesmo nome, escrita por Edmond Rostand no finalzinho do século XIX.

Para começar, tenho que contar um segredo: só muito recentemente vim a saber que existiu um Cyrano de verdade. Só que ele é mais antigo: viveu no século XVII, e foi autor de obras de cunho científico e satírico, como Voyage Dans la Lune. Hoje, os estudiosos o considreram um dos precursores da Literatura Fantástica, gênero no qual eu também escrevo. Mas o principal motivo pelo qual eu gosto de Cyrano não é esse, e sim o retrato (certamente não muito fiel) que dele fez Rostand em sua obra.

A primeira versão desse livro que tive em mãos era recontada em forma de prosa, numa brochura das Edições de Ouro. Na época - eu teria uns nove ou dez anos - havia uma livraria da editora perto da minha casa, e era onde eu gastava a maior parte da minha mesada (a prova? Pelo menos mais três livros saídos de lá vão ser comentados em futuros posts desta série). O Cyrano, porém, não foi comprado por mim, e sim "herdado" de meu pai, ou talvez meus irmãos, assim como os livros de Emílio Salgari e a versão recontada de algumas peças de Shakespeare. E, pelo menos para a "rata de biblioteca" que sou eu, não podia haver herança melhor.

Uma coisa bem curiosa de que me lembro é que, na primeira leitura que fiz de Cyrano, a cena que melhor ficou gravada em minha memória não era protagonizada pelo herói, e sim por Ragueneau, o confeiteiro com alma de poeta (se não me engano, tecia odes aos seus bolinhos), que fornecia quitutes grátis aos amigos em troca de um minuto de atenção. Claro que era por interesse que aplaudiam o pobre homem, e eis o porquê de eu não simpatizar com eles e sim com o confeiteiro. Quem escreve quer ser lido e/ou ouvido, e essa sede às vezes nos faz passar por situações bizarras. Às vezes até nos humilhar, voluntária ou involuntariamente. Porém, todas as agruras são esquecidas quando achamos alguém que, mesmo por um instante, nos concede atenção e apreço genuínos. Eu consegui isso, algumas vezes, ao longo dos anos, e suponho que também Mestre Ragueneau. Afinal, ele leva vantagem sobre mim, que não sei assar bolinhos.

Ragueneau - essa é outra informação recente - se baseia num padeiro que existiu de fato, enquanto Roxanne, a amada de Cyrano, foi composta a partir de duas mulheres. Uma delas foi casada com Christophe (e não Christien) de Neuvilette, e seu amor deve ter sido verdadeiro, já que, após a morte do marido, ela se retirou para um convento. Se Savinien Cyrano de Bergerac - o da vida real - chegou a visitá-la aí, não sei dizer. Mas o Cyrano, personagem de Rostand, fez isso até o fim do percurso daquele amor sofrido, cheio de atos de um heroísmo que emociona, não pela bravura do herói, mas pela renúncia e desprendimento de que está imbuído. Ao se fazer passar por Christien para fazer a corte, ao arriscar a vida, todos os dias, passando entre as linhas de fogo para entregar cartas a Roxanne, Cyrano não tem esperanças de vir a ser amado, mas, ao contrário, se esforça para fazer com que a jovem se sinta amada e seja feliz.

É claro, na vida real não se vê muito dessas coisas. Para a mentalidade de hoje, elas devem parecer estranhas e até meio doentias. Afinal, todos estamos cansados de ouvir que devemos amar, primeiro, a nós mesmos, e buscar o que é melhor para nós. Mas mesmo assim não consigo me convencer de que Cyrano, ao trabalhar em prol de Christien, não era também feliz, embora de uma forma tortuosa: feliz não apenas por proporcionar felicidade a Roxanne, mas porque, conhecendo seu papel naquele romance, este o fazia se sentir tremendamente satisfeito consigo mesmo.

Isso porque Cyrano, embora acreditasse que Roxanne não poderia amá-lo, amava a si mesmo, e amava a vida, por mais que ocultasse tristezas por trás do seu penacho. As bravatas que fazia, até mesmo em seu declínio ("Hoje comi carne!" afirma ele a uma religiosa, na sexta-feira em que a carne era interdita, quando na verdade não tinha dinheiro para uma refeição) -, a relação com os companheiros de guerra, a resposta rápida, a capacidade de fazer troça de si mesmo, tudo isso denota um grande prazer de estar vivo. Mais que isso: uma humanidade, com todas as imperfeições e complexidades, que é rara de encontrar, mesmo em pessoas de carne e osso. Sendo um poeta, um artista - escudo usado por muitos para não encarar a vida de frente -, Cyrano, ao longo da peça, provará inúmeras vezes que não é um homem feito apenas de palavras, mas de ações. E se estas, às vezes,parecem tolas, são também as mais nobres que se poderiam esperar de um herói.

Os efeitos desse livro sobre mim são dos mais duradouros. A exemplo de Ana Terra, Cyrano foi mais um personagem que resvalou das minhas memórias de leitora para meu trabalho de ficcionista. Uma leitura atenta de O Jogo do Equilíbrio (vejam ao lado) ou de qualquer outro conto ou romance em que apareça Cyprien de Pwilrie mostrará traços do espadachim no saltimbanco, do poeta no contador de histórias, sem falar no cavanhaque e no nariz proeminente. Cyprien tem até mesmo um amigo padeiro, cuja filha é a narradora do livro, ainda em projeto, que conta a vida do Mestre das Sete Artes. E por acaso ou ato falho ela se chama... Roxanne. ;)

Espero não precisar explicar que nada disso foi proposital, assim como não o é o vôo das águias comandadas por Kieran de Scyllix (herói da trilogia do Castelo das Águias, que escrevo atualmente), que atravessam o campo de batalha para levar mensagens à mulher e à irmã do mago. Quem já leu alguma coisa da minha ficção deve concordar (assim espero!) que ela não é uma simples colagem de referências. No entanto, como já disse várias vezes, acredito que todos os escritores têm uma "bagagem" na qual entram elementos da memória, tanto a intelectual quanto a afetiva, e que, conscientemente ou não, se valem desses elementos em seus textos. Érico Veríssimo expôs muito bem a situação quando constatou que o nome do seu famoso "capitão" era o mesmo do Cid Campeador, Rodrigo Díaz de Bivar: uma peça pregada pela memória, disse ele. E, apesar disso, ninguém pode negar a Rodrigo Cambará uma (intensa) personalidade própria.

Quanto a mim, fico feliz por ver, nos atos do sombrio e lealíssimo Kieran, no panache inquebrantável de Cyprien, um pouco desse Cyrano que tanto me fascina. Talvez eu me identifique com ele também, não no heroísmo (sou uma borra-botas: todo mundo sabe), não na capacidade de renúncia, mas no amor à vida e às palavras. Na medida do possível, procuro unir essas duas paixões: é por isso que falo tanto, que escrevo tanto. E no final - que eu espero seja mais feliz que o de Cyrano - é disso que vão se lembrar quando falarem de mim.

Um grande abraço a todos,

Até a próxima!

Ana

quinta-feira, maio 04, 2006

As Horas e os Livros ou Um Dia na Vida de Ana

Pessoas queridas,

Em primeiro lugar, quero agradecer o carinho de todos e tranqüilizar os que ficaram preocupados. As coisas já estão sob controle no que concerne à saúde de minha mãe e outros familiares. A vida, porém, anda mais corrida que nunca, e não encontro a calma e o ambiente propícios a escrever tanto quanto gostaria. Nem posso escrever as coisas que gostaria: não tenho conseguido me concentrar. No entanto, é nessas ocasiões que a gente mais precisa rir de si mesmo... e, por isso, reservei uns instantes para listar os livros cujos títulos podem ilustrar o meu cotidiano.

Eis um dia de semana típico:

- Acordando, às 6 da matina: Não Despertem os Mortos

- Ida de Niterói para o Rio na hora do rush: Auto da Barca do Inferno

- Manhã de "trabalho" na BN: A Farsa da Boa Preguiça

- O Verão carioca ao meio-dia: O Sol é Para Todos

- Gastando o que não posso na feira do livro: Amor de Perdição

- Tarde na BN, escamoteando (como agora) meus escritos entre os trabalhos de rotina: Uma Vida em Segredo

- À noite, fazendo Luciana dormir: A História Sem Fim

- O tempo de vida útil que me resta ao final do dia: Os Sete Minutos

.....

Riam ou chorem, como quiserem... mas, no momento, é por aí.

Abraços a todos,

Ana Lúcia

quarta-feira, abril 19, 2006

O Sono dos Justos (sim, sim, mais um poema bissexto...!)

Todos os ritos e palavras de poder
ecoam no silêncio.
Os livros apodrecem na estante.
A hera cresce entre os pés dos sábios,
estátuas
no templo abandonado.

Quando chegou a hora mágica eu dormia na clareira,
feliz em meu cansaço.
Não aprendi a língua dos anjos
nem os nomes de Deus.

Ocultos para sempre estão os arcanos.
Meu coração é criança pagã,
não descerra véus.

......

Pessoas queridas,

Este vem sendo um mês muito complicado para mim. Feriados, viroses intermináveis (não em mim, mas em vários membros da família), a escrita urgente de um conto para a seletiva de uma antologia e, last but not least, visitas técnicas quase diárias aqui na Biblioteca. Só passei para deixar este poema, rabiscado num momento de lucidez (talvez não de inspiração, mas enfim...), no final do ano passado.

E pra dizer que volto em breve a fim de retomar a série de memória.

E pra deixar, é claro, um grande abraço a todos vocês.

Ana Lúcia

quarta-feira, março 29, 2006

B de Bastian



Show no fear, for she may fade away.
In your hands the birth of a new day
.

....

Oi, Pessoas! Tudo bem?

Finalmente, acabo de me sentar para escrever o segundo post do "Dicionário das Memórias de Leitura". Para quem não sabe, essa é uma série de posts acerca de livros que li entre os 4 e os 20 anos, alfabetado de acordo com um dos personagens da obra. A proposta é escrever apenas com base no que li na época (ou mais tarde, em releituras), sem recorrer a nenhum exemplar da obra e muito menos a críticas ou resenhas de outras pessoas... e, principalmente, escrever sobre o impacto que o livro teve em mim, o qual, em alguns casos, tem conseqüências até hoje.

O livro de que venho falar está num desses casos. Trata-se de A História Sem Fim, obra-prima (a meu ver) de Michael Ende, cujo protagonista é o Bastian citado no título. Bastian Baltazar Bux, um menino solitário, que menos compreende a si mesmo do que é incompreendido, e que não resiste à tentação de "pegar emprestado" um livro na loja do misterioso Sr. Koreander. Na capa, uma serpente que morde a própria cauda: o Ouroboros alquímico, relativo ao eterno retorno. O título: A História Sem Fim, o mesmo do livro de Ende, no qual vemos se fundirem a experiência de leitor de Bastian e as aventuras do herói da obra lida por ele.

No livro que Bastian lê - ou melhor, devora - , um reino denominado Fantasia está desaparecendo velozmente, e sua salvação está nas mãos de um jovem caçador chamado Atreiú. Este passa por toda sorte de provas e peripécias, acompanhadas por Bastian com o coração aos pulos e os olhos arregalados... até chegar à conclusão de que Fantasia deve recomeçar do ponto de partida, e que este depende da intervenção de uma criança humana. Bastian continua a ler, com ansiedade cada vez maior, à medida que os leitores externos vão vendo cada vez mais imbricadas as partes do livro que tratam dele e de Atreiú. Na verdade, a partir de certo momento, os trechos, compostos em cores diferentes (em verde para Bastian, em vermelho para Fantasia, na minha edição da Martins Fontes), começam a ser complementares um ao outro, e tal é a habilidade de Ende que, quando se percebe que a criança que todos esperam em Fantasia é o próprio Bastian, a própria noção de se estar diante de duas histórias paralelas praticamente já desapareceu. Um trabalho magistral de escrita... que, no entanto, está apenas começando.

Não vou adiantar o desfecho dessa primeira parte, a qual, aliás, foi adaptada para o cinema, na década de 80 se não me engano. Por causa desse filme, todos conhecem o Dragão da Sorte (o do cinema lembra um pouco um cachorro), o Monstro que Come Pedras, a Imperatriz Criança e outros personagens. O que poucos sabem é que o livro não termina daquele jeito, e muito menos naquele ponto; e a sua continuação nada tem a ver com as duas (atrozes) seqüências que a obra ganhou nas telas.

Na segunda parte do livro, após ter salvo Fantasia da destruição (ninguém duvidava, né?), Bastian é convidado a formular uma série de desejos, a partir dos quais aquela terra mágica vai sendo reconstruída e reinventada. No entanto - a exemplo do que acontece com os irmãos de Wendy e os Meninos Perdidos, em Peter Pan - cada um daqueles desejos vai apagando a verdadeira identidade de Bastian, fazendo-o esquecer de seu pai, de seu passado, de sua vida enfim no mundo que podemos chamar "real". Recuperar a memória e a identidade, a partir do único elo que sobrou, é um trabalho difícil, mas finalmente ele consegue - e volta para seu próprio universo, deixando que Atreiú, desde sempre habitante de Fantasia, viva por ele as aventuras que lhe restam por viver.

Isso é o que me lembro do livro que li aos 17 anos - e que, curiosamente, nunca reli, embora hoje o considere meu livro preferido, o que afirmo tranqüilamente sempre que me perguntam. Isso porque, sem falar na qualidade literária - a d´A História Sem Fim é superior à maior parte dos livros que já li, em todos os gêneros, e olhem que são muitos - essa obra foi uma espécie de "sacudida", ou melhor, de "despertar" para a pessoa que eu era, para o que vinha fazendo e para o rumo que queria dar à minha vida.

Quem leu minha autobiografia ou a contracapa dos meus livros sabe: eu conto histórias desde que me entendo por gente. Isso é uma verdade: eu sempre fiz isso, gosto de fazê-lo, acho que sempre farei, independente da minha profissão ou ocupação naquele momento. Mesmo nos períodos mais áridos, em termos de produção literária, nunca deixei de criar histórias e, sempre que possível, contá-las, o que me valeu ser rotulada de “louca”, “infantil” e até mesmo “esquizofrênica” em diversas ocasiões. A alegação era a de que eu “vivia em outro mundo” e “não separava a fantasia da realidade” coisa que hoje, olhando para trás, posso afirmar com naturalidade que não acontecia. Ao contrário de Bastian, creio que nunca corri o risco de perder meu elo com o “mundo real”. Não. O risco que eu corri foi, isso sim, o de cercear minha criatividade, abdicando de tudo que havia de original em mim pelo desejo de ser “igual às outras pessoas”.

Claro que com isso não estou afirmando que era, ou que sou, melhor do que ninguém. Acredito, isso sim, que cada pessoa tem um potencial a ser desenvolvido, e que existem vários tipos de inteligência e de talento cuja expressão às vezes faz de nós uns tipos gauches na vida. Muita gente é como eu, é verdade, e nestes últimos anos tenho conhecido vários. Mas houve um tempo em que não conhecia – e que o fato de escrever, contar e até mesmo gostar de ler histórias, especialmente do gênero fantasia, me afastou das pessoas com quem eu queria conviver. Naquele tempo o gênero era pouco divulgado, não havia uma Internet que unisse as pessoas com os mesmos interesses, e praticamente ninguém com quem eu pudesse trocar idéias. Mais tarde tive uns poucos amigos que jogavam RPG e que não me achavam tão maluca. Mas eles não eram escritores. E não tinham tempo nem interesse em ler os meus originais, até porque não sou nenhum talento precoce. Eu tinha boas idéias, acho. Mas escrevia muito mal mesmo.

Na época em que li A História Sem Fim, eu passava por um momento de crise e de muitas indagações a esse respeito – se valia a pena continuar, se eu estava perdendo tempo, se era possível que um dia escrevesse alguma coisa que prestasse e principalmente se alguém ia gostar daquilo (sim, eu já queria um público, embora ainda não pretendesse tornar a escrita minha principal ocupação. Não tenho vergonha de confessar isso). E não sei dizer exatamente no que aquele livro me tocou, mas A História Sem Fim me fez ter uma espécie de insight : a consciência de que um mundo fantástico, maravilhoso, existia dentro de mim, e que eu podia criar o que quisesse, desde que (como Bastian faz no final) respirasse fundo e enfrentasse os problemas que existiam “lá fora”.

Os meus tinham a ver com me amar e respeitar a mim mesma pelo que eu era, e buscar aquilo que eu queria, sem abrir mão do meu jeito próprio de ser.

E – como sabe quem me conhece – foi o que eu fiz.

Danke schön, Herr Ende!

A vocês - até a próxima!

Ana Lúcia

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Lines that keep the secrets will unfold behind the clouds.
There, among the rainbow,
Is the answer to a never ending story.

terça-feira, março 14, 2006

Retalhos de Prosa Solta

Oi, Pessoas, tudo bem?

Enquanto o próximo post literário não fica pronto, e atenta à possibilidade de uma greve dos servidores federais - se houver, como estou sem micro em casa, terei que recorrer às Lans - , resolvi deixar aqui alguns dedos de prosa solta. Só para registrar minha passagem pela Estante... que eu freqüento sempre que posso, é claro, para ler e me alegrar com os comentários. É bom saber que, embora relapsa para escrever e visitá-los, ainda tenho o carinho dos meus amigos.

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Bom, pra começar, um pouco sobre a viagem. Foi tão legal quanto eu imaginava, ou até mais. A serra gaúcha é seguramente um dos lugares mais lindos do Brasil, e à beleza natural se somam atrações maravilhosas que o povo criou por lá. A preferida da Luciana: o Labirinto de arbustos, na praça central de Nova Petrópolis, onde erramos entre sebes de 2 metros de altura até encontrar o centro. A minha: o Mundo a Vapor, na estrada para Canela, onde, entre outros modelos que funcionavam perfeitamente em pequena escala (olaria, usina, locomotiva...), visitamos a menor fábrica de papel do mundo. É incrível ver onde podem chegar o talento e o engenho de algumas pessoas!

Por falar em pessoas, tive o prazer de conhecer uma que, nos últimos meses, se tornou para mim muito querida: Adriana Paz, a "Drix", portoalegrense com quem travei contato através do Orkut e que hoje participa do blog-RPG baseado nos meus livros sobre o Castelo das Águias. O tempo que passamos juntas foi curto, pois ela só ficou em Gramado durante o Carnaval, mas foi o bastante para fortalecer o meu carinho pela Drix. Foi realmente um privilégio conhecê-la.

Lamento não ter podido, também, finalmente, conhecer o meu caro
Milton. É o terceiro desencontro, pois ele já esteve duas vezes no Rio e também não nos vimos. Mas sei que um dia há de acontecer.

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Pois bem, cheguei e tudo estava como antes. Ou quase: o Exército tinha ocupado algumas favelas do Rio,operação que durou cerca de dez dias. As manchetes dos jornais de hoje dizem que as forças armadas estão se retirando, sem ter encontrado as armas que procuravam; que sua saída foi aplaudida pelos moradores e que o tráfico voltou com força total.

Com essa e outras manchetes (como a da greve, que pode incluir a Polícia Militar) estampadas nos jornais, vi, no centro de Niterói, três soldados agrupados em volta da banca, discutindo num tom muito sério. Aproximei-me, querendo saber. Estavam falando sobre a possível vinda do Ronaldinho para o Flamengo. Ah, tá.

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Mas eu estou sendo terrivelmente injusta com os rapazes. Também não me ocupo dessas notícias e sim da minha ficção. Um Ano e um Dia, livro 2 da trilogia do Castelo das Águias, vai indo devagar, mas bem. Nas horas vagas, tenho lido Doris Lessing: os dois volumes da sua autobiografia - Debaixo da Minha Pele e Andando na Sombra - levaram á releitura de alguns contos e à compra do livro que é considerado a obra-prima da autora, O Carnê Dourado. Esse ainda não li, mas a protagonista é, parece, uma escritora chamada Anna Wulf. Ana Lobo. Eu venho constatando que sou um Coiote, cada vez mais.

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A greve do ano passado "comeu" minhas férias, e a viagem ao RS me deixou no "vermelho" no banco de horas, mas mesmo assim sonho com muitas outras. Com a "veia ficcional" aberta, não me mexo para marcar cursos e palestras - já aprendi a não me preocupar com isso : é um ciclo - , então em vez disso planejo viagens, ou talvez fugas, se formos um pouco mais fundo na questão. As factíveis: litoral paulista, Bonito, Maceió. As menos prováveis: Patagônia, Sete Cidades. E os países nórdicos, que talvez fiquem só no sonho mesmo. Quem sabe?

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Assim, bem ou mal, vou seguindo o caminho. Não me deixo abater pela falta de perspectiva porque estou conseguindo escrever - não em todos os lugares, não muito aqui, mas no meu próprio universo fantástico. Não é sempre que essa porta se abre, por isso estou indo em frente, deixando que se acumulem projetos e saudades. De tudo que eu ainda não fiz. De tudo (e todos) que eu ainda não vi.

Abraços pra vocês,

Até a próxima!

Ana

terça-feira, fevereiro 21, 2006

As Estranhas Manias de Ana: um Elo na Corrente

Oi, Pessoas! Tudo bem?

Este post deveria dar continuidade à série de memórias literárias, mas admito que não tive tempo nem inspiração para escrevê-lo. De qualquer modo, por mais disciplinada que eu fosse, teria de haver, necessariamente, alguns "desvios" ao longo do alfabeto; e, além disso, esta é a minha última oportunidade de escrever algo pelos próximos 12 dias, então... vamos agarrá-la!

Recebi, recentemente, uma daquelas "correntes" ou "brincadeiras" que circulam pela rede. Não costumo aderir a elas, mas essa é divertida: listar cinco das minhas manias, passando adiante a proposta para mais cinco pessoas. Isso, sinceramente, não sei se terei tempo de fazer, pois estou sem computador em casa e viajo amanhã, mas as manias... Essas eu dou a conhecer a vocês. Aqui estão elas, na ordem em que as lembrei:

Roer as unhas. Deve ser a mais antiga das minhas manias, as que estão aqui e as que não estão. Não me lembro das minhas unhas sem estarem roídas, não a ponto de tirar sangue, mas de forma a não deixar nem um pedacinho desgrudado da carne. Por isso, as pontas dos meus dedos são "rombudas", deformadas mesmo, e nunca em meus 37 anos de vida usei esmalte. Aliás, para quem não sabe, não uso maquiagem há quase vinte anos. Espero que isso não desencoraje os meus fãs.

Abrir a mochila toda hora, ou apalpá-la por fora, para ver se tudo continua lá. Algum tipo de mania doméstica tinha que substituir aquela (que eu nunca tive) de ficar pensando se fechei bem a porta ou apaguei as bocas do fogão a gás. O tempo todo, na rua, estou tocando em minha mochila para sentir o volume do chaveiro, da carteira, do caderno, do celular... e, quando posso, abro-a e esquadrinho tudo lá dentro. Ainda bem que não sou do tipo que carrega "o mundo dentro da bolsa"!

Anotar imediatamente, no canhoto do talão de cheques, todos os saques e débitos na minha conta. Mais uma questão de organização do que de economia, pois não anoto o dinheiro que vou gastando depois que o tirei. Só quero saber com certeza quanto tenho no banco. Tenho horror à idéia de ficar devendo alguma coisa.

Bisbilhotar comunidades do Orkut que nada têm a ver comigo. Os que já viram meu perfil sabem que quase todas as minhas comunidades são de leitores e escritores (também tem a das Mães que Trabalham Fora e mais umas poucas exceções à regra). O que não sabem é que eu gosto de bisbilhotar determinadas comunidades das quais jamais faria parte, só para ler as "crônicas da vida privada" que são contadas ali. Entre aquelas que visito com freqüência estão: Odeio Homem Pão Duro e Pão Duro Não, Sou Econômico (histórias ótimas, algumas de mulheres que querem ser "bancadas" - e usam todo tipo de argumento estúpido para isso - mas outras também de pessoas, homens e mulheres, que são incrivelmente "mãos-de-vaca", a julgar pelo que dizem); Meu Marido é Gringo (histórias muito bem-humoradas sobre o choque de culturas), Professores Sofredores, sobre as agruras da vida dos mestres modernos e muitas outras. É uma verdadeira Comédia da Vida Humana em pequenos relatos. E sempre posso usar a desculpa de ser uma escritora fazendo laboratório.

Ler o final dos livros antes de chegar lá. Pois é, eu leio. Nem sempre antes de começar, mas quando a trama já está esboçada. Não reclamem: esse é um dos direitos do leitor, conferido pelo mestre Daniel Pennac. E como criatura sensível e inteligente que sou, isso determina o uso ou não de outros direitos, que são o de pular páginas e - mais raramente - não chegar ao fim do livro, que é o que faço quando os personagens são artificiais e o fim é excessivamente piegas. Mas, num bom livro, ou mesmo num livro mediano, nada me alegra mais do que um final feliz. ;)

......

Pessoas, meu post anterior foi sobre um livro que se passa no Rio Grande do Sul. Lá vou eu de novo para lá, mostrar à Luciana as belezas de Gramado e Canela e, se tudo correr bem, do cânion do Itaimbezinho. Não terei tempo de visitar vocês e não vou postar por umas duas semanas, pois só volto de viagem no dia 6 de março. Por isso, desejo a todos um excelente Carnaval, de folia ou de descanso, conforme preferirem... Até a volta!

Abraços a todos,

Ana Lúcia

segunda-feira, fevereiro 13, 2006

A de Ana Terra

Oi, Pessoas! Tudo bem?

Estive por vários dias me preparando para escrever este post. Não no sentido acadêmico - não tomei notas, não li estudos ou resumos e, fiel ao que me propus, nem mesmo abri meu exemplar do livro -, mas sim no que concerne ao fator emocional. Isso porque o primeiro personagem desta série, a Ana Terra de Veríssimo, dá seu nome a uma obra que mexeu muito comigo, e que propiciou inúmeras descobertas e reflexões. Sem falar nas tentativas literárias, que foram um fracasso, mas importantes mesmo assim. Mas disso vou falar quando chegar a hora.

Meu primeiro contato com a obra de Veríssimo se deu através de Gente e Bichos, quando eu tinha seis ou sete anos, passou pelo Tibicuera e prosseguiu, previsivelmente, com Clarissa e Música ao Longe. Não tínhamos, então, os outros livros da série, nem tampouco O Tempo e o Vento, saga da qual Ana Terra faz parte. Mas, quando eu tinha dez ou onze anos, apareceram em casa - não sei se compradas ou oferecidas pela editora a meu pai, como acontecia naquela época - dez ou doze brochuras publicadas pela Globo de Porto Alegre. Algumas eram traduções, como o Admirável Mundo Novo de Huxley, mas a maioria era de autores gaúchos, e havia várias de Veríssimo. Ana Terra foi uma das primeiras que li, e uma das poucas leituras que compartilhei com minha irmã. Sorte a minha! Com tantos questionamentos, tanta emoção suscitada por aquele livro, o que seria de mim se não tivesse alguém com quem comentá-lo?

Ana Terra foi lido num só dia, mas relido inúmeras vezes, na íntegra ou não, até que eu assimilasse tudo que trazia de novo. Para começar, o universo era bem diferente do que eu conhecia, e minhas noções de tempo e espaço eram precárias, de forma que era tão fácil imaginar o pampa gaúcho do século XVIII quanto uma paisagem na Lua. O contexto histórico era completamente desconhecido - tudo bem, eu sei o que é um castelhano, mas e um continentino? - e o sentido de palavras como sanga, coxilhas e tordilho teve que ser decifrado. Por fim, seguindo a descrição do autor e umas poucas referências, acabei por conseguir visualizar uma imensa planície verde, com grama alta que o vento nunca cessava de fazer ondular. Nesse lugar selvagem, um tanto fantasmagórico, eu me encantei e me emocionei com a história de Ana, uma mulher forte e endurecida pela vida - para sobreviver, tinha que ser assim - mas que, no fundo, jamais perdeu sua ternura.

O livro e o personagem se prestam a muitas interpretações, a maior parte traçando um paralelo entre a história de Ana e a do Rio Grande do Sul - representando-a, enfim, como uma pioneira - mas nada disso fazia sentido para mim naquela época. O que me tocou, além da paisagem "mágica", foi a narrativa, fluente e sóbria e saborosa, e também as relações humanas, tão diferentes daquelas que eu vivia no dia-a-dia. Além disso, como era de se prever, eu me apaixonei por Pedro Missioneiro, e fiquei inconsolável quando ele morreu. Inconsolável e revoltada, pois, se ele sabia o que aconteceria, por que não fugiu com a Ana? E ela, por que aceitou que o pai e os irmãos o matassem? Eram perguntas que eu fazia a minha irmã e que ela respondia, vagamente, com argumentos a respeito da sociedade da época (quando estava com paciência) ou dizendo que o Pedro não batia bem da cabeça (quando não estava). De qualquer maneira, eu não me conformava com aquilo, e lia e tornava a ler os trechos em que aparece o casal - muitos dos quais sabia de cor, e sei até hoje -, imaginando que eles agiam de forma diferente e ficavam juntos.

E foi aí que eu comecei a escrever minha própria versão da história.

Não foi exatamente como uma fan fiction. Eu não usei os personagens de Veríssimo, apenas me inspirei neles para criar os meus. Algumas coisas ficaram - por exemplo, um dos protagonistas, meio índio como o Missioneiro, tinha também um punhal de prata - mas, de modo geral, eles se desenvolveram de forma independente. Modéstia à parte, criar personagens nunca foi o meu problema. Situá-los... bom, isso era mais difícil, ainda mais quando eu conhecia tão pouco sobre o tempo e o lugar. Mas eu estava empolgada e fui em frente. Em obras de referência e em autores como Simões Lopes Neto (de Contos Gauchescos e Lendas do Sul - aliás, outra daquelas brochuras), tentei conseguir um pouco mais de base para o que eu chamava de "romance histórico", e que era, na verdade, um tremendo folhetim, pessimamente escrito ainda por cima. Não lembro quem foram os primeiros personagens, nem como a história foi sendo construída, mas, para resumir, tratava-se de uma família - os Torres - que tinha uma estância em algum lugar no meio do pampa e que se envolvia em episódios da Guerra dos Farrapos. Naturalmente, li um pouco sobre a guerra, sobre o lugar, sobre os costumes, mas quaisquer pretensões de "realismo" desmoronavam diante dos diálogos e do roteiro. Nesse, eu me lembro, havia um pouco de tudo. Senhor apaixonado por escrava? Tinha. Filho que procurava mãe e mãe que procurava filho? Também. Gravidez indesejada? Tinha. Tinha tudo, no melhor estilo do novelão. Felizmente, nenhuma daquelas (literalmente) maltraçadas linhas sobreviveu à autocrítica. Juro que eu voltaria para puxar o pé do descendente que as publicasse!

A saga da família Torres ocupou meus pensamentos e minhas horas vagas durante cerca de três anos, mais ou menos dos onze aos quatorze. Nesse intervalo de tempo, li também a dos Terra-Cambará em O Tempo e o Vento, outras obras de Veríssimo e tudo quanto pudesse sobre cultura gaúcha, pela qual, aliás, tenho uma grande admiração até hoje. Em 1990, fiz uma viagem até lá - não às Missões, como teria gostado, mas à serra - e voltei apaixonada pelo lugar, como já era por sua literatura e folclore. Porém, a chave desse mundo, que tanto me fez sonhar, sempre esteve nas mãos de Ana Terra, com a qual me identifiquei desde a primeira leitura, embora fôssemos Anas muito diferentes uma da outra. Será por termos ideais parecidos, ou senso de clã? Ou será pela solidão que a personagem tinha dentro de si, por mais que estivesse cercada de pessoas, e que tanto se parecia com o meu sentimento de inadequação?

De qualquer forma, foi uma grande viagem a que se iniciou com Ana Terra - uma viagem da qual ainda não voltei. Hoje, escrevendo ficção, não acho que meu estilo lembre o de Veríssimo, mas que muitas vezes trechos de suas obras me vêm à cabeça, especialmente ao escrever cenas que envolvem sexo. Como ele, prefiro deixar as coisas insinuadas: acho que sofremos do mesmo pudor. E várias vezes me peguei em atos falhos, pondo no papel expressões e metáforas que saíram de Ana Terra e que me vêm naturalmente. Se não tomo cuidado, mais de um personagem meu acaba voltando para casa, como Ana, com a morte na alma. E isso é só para citar um dos casos mais flagrantes.

Por tudo isso, acho que deu para perceber como esse livro foi e ainda é importante para mim. Não tenho dúvida de que ele foi uma das melhores aquisições da minha bagagem, não só como leitora e escritora, mas em todos os sentidos. Correndo o risco de parecer naïve, fico feliz por Ana Terra começar com A: esse era o ponto de partida perfeito para as minhas memórias!

E a próxima etapa vai me levar de volta a uma das fontes do que hoje é o meu universo de fantasia. Espero que vocês estejam comigo!

Abraços a todos,

Até breve!

Ana Lúcia

sexta-feira, janeiro 27, 2006

Minhas Memórias de Leitora (preâmbulo)

Oi, Pessoas... Como estão?

Este blog é a confirmação de que resoluções de fim de ano não dão certo comigo. Eu terminei 2005 mais do que determinada a voltar ao pique inicial da Estante, postando pelo menos uma vez por semana e trazendo, além de notícias minhas, artigos, dicas literárias e quem sabe até alguns jogos. No entanto, Janeiro está quase no fim e este ainda é o primeiro post - e, o que é pior, um post por assim dizer "introdutório". Isso porque, ao longo dos primeiros meses, quero escrever uma série de textos sobre personagens e livros que li na infância e na adolescência, e uma lembrança puxa outra... e eu quero explicar o que vou fazer, deixando claro, especialmente, o critério que usei para dividir minhas memórias em duas partes.

No ano passado, além de escrever muita ficção, li bastante sobre o ofício (vamos chamar assim) de escritor e sobre a forma pela qual se adquirem subsídios para escrever. Em alguns casos, tem a ver com nossas próprias vidas - as pessoas com quem convivemos, os acontecimentos, as situações pelas quais passamos e as lições que tiramos disso -, mas, muito freqüentemente, seguimos o rastro de outros viajantes, inspirando-nos e recorrendo à nossa bagagem literária. Isso não significa ser menos original, nem que nos limitamos a recriar o que já foi feito. Cada um de nós é único, e todos acrescentam seu ponto. No entanto, a grande maioria dos escritores se compõe de pessoas que gostam de ler, e que incorporam ao seu universo matizes, imagens, idéias e palavras encontradas nas obras de outros autores. E, é claro... eu não sou uma exceção à regra, ainda mais por escrever fantasia, que muitas vezes se baseia em mitos, lendas e histórias de um imaginário coletivo e ancestral.

Refletindo sobre isso, e sobre o fato de que tenho comprado para minha filha novas edições de obras que li quando criança - as que não ficaram na estante desde aquele tempo - , decidi fazer uma brincadeira, listando, de A a Z, nomes de personagens de livros que eu tivesse lido nos meus primeiros anos. Por "primeiros" entenda-se aqui "os primeiros dezesseis": obras com que travei contato entre os quatro anos de idade, quando aprendi a ler, e os vinte, quando entrei na Universidade. Isso divide a exatamente ao meio a minha vida de leitora, e deve ser a melhor metade. Duvido que eu tenha lido tanta coisa interessante dos vinte e um aos trinta e seis!

Então, o que me proponho a fazer é dedicar um post a cada personagem - o que, é claro, levará à obra, ao autor e, principalmente, às minhas lembranças muito particulares acerca deles. Não serão resenhas, muito menos críticas, e vou me basear apenas naquilo que houver ficado retido na memória. No máximo pegar o livro para confirmar uma editora ou o sobrenome de um autor. Alguns dos posts podem não evidenciar mais do que o meu gosto literário, outros vão ser pretexto para contar um causo da minha infância, e outros provavelmente me trarão ao presente e à minha opção pelo ofício de escritora. Não sei ainda. Sei que faço isso como uma espécie de exercício, que é ao mesmo tempo uma reflexão... e ainda, espero, uma forma de trazer à tona as recordações daqueles que me lerem. Pois, como eu já disse, uma lembrança puxa outra. Que tal vocês, que lerão as minhas, me falarem das suas?

Até breve, com A de Ana Terra

e abraços desta outra - sempre de cabeça nas nuvens -

Ana