domingo, outubro 29, 2006

F de Frodo (Parte 2: O Modelo)

Olá, Pessoas! Tudo bem?

Após uma ausência forçada, venho concluir o que ficou inacabado no último post... que é, sem trocadilho, do autor de Contos Inacabados. Mas o livro de que vou falar teve uma conclusão mais do que brilhante.

O Senhor dos Anéis é uma obra em muitas "camadas", cuja leitura pode ser feita em vários níveis: de uma simples (e muito bem narrada) história de aventura até uma trama complexa, repleta de significados relativos à queda, à expiação e à redenção, dentro dos moldes judaico-cristãos como apontam muitos estudiosos. Da primeira vez que li, não fui além da camada mais superficial, e não seria capaz de discutir nenhuma das metáforas apresentadas na obra, nem vou tentar fazer isso agora. Afinal, como já ficou dito no post anterior, meu objetivo aqui não é analisar, criticar ou fazer uma sinopse detalhada da obra, mas sim partilhar as memórias de mais uma leitura que marcou meus primeiros vinte anos.

Apesar de conhecer pessoas que escrevem - e bem - Fantasia sem jamais terem lido Tolkien, acredito que a maior parte dos autores do gênero foi, se não influenciada, ao menos inspirada e motivada por sua obra. Com um estilo grandiloqüente, que mais tarde eu veria comparado ao das Escrituras, Tolkien construiu um universo chamado Terra Média, no qual a criação se originou de uma melodia, uma sinfonia celestial dentro da qual, contudo, não tardou a surgir uma nota dissonante. Era o desejo de poder, germe de uma corrupção que viria a crescer e abalar a Terra Média, ao longo das eras, por meio de diferentes agentes. A cosmogonia, as lendas e a história desse universo se desdobram em várias obras - O Hobbit, O Silmarillion, Contos Inacabados - das quais O Senhor dos Anéis é a mais aclamada. Nesse livro, a trama gira em torno de um anel de enorme poder, que deve ser destruído a fim de libertar a Terra Média das forças do Mal. Para a tarefa é designado um grupo que, no entanto, logo viria a se separar, seus membros passando a empreender jornadas distintas. E dentre estas a mais importante, ao menos para mim quando li a obra, foi a de Frodo Baggins, que, ao lado do fiel criado Sam, superou todos os seus limites físicos e espirituais no esforço de conduzir o anel ao destino final.

Os críticos do livro, seus leitores e - recentemente - os espectadores da trilogia são quase unânimes em afirmar que O Senhor dos Anéis tem mais de um herói. Apontados para essa categoria são Aragorn - cuja importância é maior no filme do que no livro - Sam, o mago Gandalf e outros menos óbvios, como Bilbo, Faramir e até mesmo, de uma forma cruel e irônica, o torturado Gollum. De fato, muitos personagens possuem traços que podem caracterizá-los como heróis, dentro dos vários tipos reconhecidos pela Literatura; mas, se Aragorn é o "herói solar", que retoma o status perdido e casa com a princesa, se Sam é o homem comum (aliás Hobbit) cujas ações o elevam acima de sua condição, foi com o portador do anel, Frodo, que mais me emocionei, pela tragicidade impressa em cada passo de sua jornada. Mesmo depois de ter sofrido na pele, e no espírito, as conseqüências de carregar um tal fardo - pois o anel clama pelo lado escuro da alma de Frodo, que, sem se entregar, vê suas forças serem exauridas - ele continua marcado pela experiência, e, de volta a seu Condado natal, percebe que não consegue se adequar ao dia-a-dia. Sua única possibilidade de reencontrar a paz é embarcar para o outro lado do mar: a metáfora do Reino Eterno cristão, sim, mas também Avalon, Tir Nan Og e dezenas de Terras Sem Males presentes na tradição de muitas civilizações. Assim, Frodo volta as costas a todas as glórias terrenas, e de certa forma as transcende, com isso cumprindo o ideal cavaleiresco de obter sua recompensa na vida além deste mundo.

A essa altura, vocês devem estar pensando que não apenas gostei, mas me identifiquei com Frodo como herói. Na verdade, não foi bem o que aconteceu. É verdade, eu tenho, muitas vezes, uma sensação de inadequação, uma "saudade do que não vi" que já existia e provavelmente era até mais forte naquele tempo. No entanto, como já disse num post anterior - para quem não lembra, foi B de Bastian - não tenho vontade de me evadir, apenas a de me aceitar e me fazer aceita por aquilo que sou: uma pessoa que inventa mundos e povos e histórias, e que, apesar da estranheza que isso pode causar, deixa sempre uma porta aberta para o seu universo mágico.

Nesse sentido, posso dizer que, se A História Sem Fim foi o livro de maior significado em minha vida - por ter me conduzido a essa auto-aceitação - O Senhor dos Anéis também foi muito importante, pois sua leitura me ensinou muito sobre a construção de um universo e personagens verossímeis, ainda que fantásticos (não, isso não é uma contradição. É possível, e necessário, haver plausibilidade em Fantasia). Não sou imitadora de Tolkien, nem tampouco uma de suas fãs mais ardorosas, ou, pelo menos, não do tipo que rejeita tudo que veio depois. Mas sua obra me apontou caminhos que eu teria demorado muito a descobrir sozinha.

Estou muito feliz por ter vocês a percorrê-los comigo.

Abraços a todos,

Até a próxima!

Ana Lúcia

P. S. Às vésperas do Halloween, convido aqueles que ainda não o leram a procurar, na lista de posts passados, meu artigo sobre a comemoração. Não é americanismo: trata-se de uma festa muito mais antiga, significativa e universal do que isso. Acho que vale a pena conhecer suas origens.

sexta-feira, outubro 06, 2006

F de Frodo (Parte 1: Aquisição)

Oi, Pessoas! Tudo bem?

Após (mais uma) longa ausência, eis-me aqui para dar prosseguimento à série Memórias de Leitura. Desta vez com uma obra que, tenho certeza, quem não conhece de livro conhece de filme: O Senhor dos Anéis, de J. R. R. Tolkien, com quase certeza o primeiro livro que li no gênero fantasia.

A história dessa leitura é a história da minha aquisição de proficiência na língua inglesa. Eu explico: aos 16 anos, no segundo ano do segundo grau do Colégio Marista São José – de onde vêm meus traumas com bullying, minha desconfiança relativa a colégios tradicionais e minha aversão à cor marrom-escura – eu nunca tinha feito um curso de idiomas, meu conhecimento do Inglês se resumindo às bases fornecidas por duas aulas semanais. A estrutura da língua é relativamente simples, por isso eu conseguia ler os textos mais fáceis, mas quando estes eram um pouco mais complexos eu tinha muita, muita dificuldade. Ao mesmo tempo, meu interesse por Mitologia, Folclore e temas correlatos estava se “refinando”, o que demandava leituras mais avançadas do que a enciclopédia de mitos legada por meu avô Jorge.

Nessa época – por volta de 1985 – chegou às livrarias uma versão traduzida de O Senhor dos Anéis, que foi anunciada nos jornais e recebida entusiasticamente pelos meus (poucos) amigos apreciadores de Literatura. Se era a edição da Martins Fontes, que hoje publica Tolkien no Brasil, ou uma edição portuguesa, ó pá, não tenho certeza. O que me lembro é que foi com a firme intenção de adquirir os volumes que, uma tarde depois das aulas, fui à Livraria Leonardo da Vinci, no Centro do Rio, acompanhada por um amigo que já era useiro e vezeiro naquelas duas salas.

(Para quem não é do Rio: a Da Vinci, que funciona no subsolo de um prédio comercial, é a mais antiga livraria de obras importadas da cidade, e na minha opinião é a melhor. Se a gente não tomar cuidado se perde lá dentro).

Então, lá estava eu, com a edição do Senhor dos Anéis nas mãos. Era cara, mas eu já tinha ido sabendo o preço e podia pagar, então não foi um choque muito grande. Também, era uma edição bonita, em três volumes, de capa dura... mas à qual, observou meu amigo, faltavam os mapas e glossários que ele conhecia de edições estrangeiras. E como, Ana de Deus, como você vai ler O Senhor dos Anéis sem mapas e glossários?

Enquanto discutíamos essa (im?)possibilidade, eu namorava, com os dedos e os olhos, uma outra obra que encontrei na mesma estante: um livro chamado Medieval Epics, publicado por uma universidade inglesa, que continha nada menos que quatro clássicos: “Beowulf”, “A Canção de Rolando”, “A Canção dos Nibelungos” e “El Cid”. Era um volume de umas 800 páginas, de capa dura, portanto achei que devia ser caro, mas – surpresa – era tão barato quanto um daqueles livrinhos da Ediouro que eu costumava comprar. Só não dava para acumular com O Senhor dos Anéis, pensei, com tristeza... que durou até o momento em que meu talentoso amigo resolveu o problema. Vendo que eu me dispunha a encarar os textos em Inglês, ele achou, duas ou três prateleiras abaixo, uma edição em pocket book do mesmo livro, também em três volumes, em papel ordinário é claro, mas que continha os – preccciosssos! – mapas e glossários. E que era mais barata que os épicos medievais. E que me permitiu não só adquirir as duas obras naquele dia, mas também juntar a eles um livrinho de contos de fadas escoceses e, ainda, convidar meu sábio e merecedor amigo para um delicioso milk-shake no Bob´s. Perfeito!

E aí, naquela noite, começou meu “mergulho” no Inglês. Um capítulo todas as tardes sem falta, e às vezes mais um à noite, sempre com o dicionário do lado, que eu usava quando não conseguia entender nem mesmo o sentido de uma frase. Se era só uma palavra que faltava, eu ia em frente: sempre fui adepta desse método mais solto. Pelas verdes colinas do Condado e nas Minas de Moria, na floresta de Tom Bombadil e na corte de Lórien, lá fui eu, caminhando sempre... até que, já sem precisar do dicionário, sem limitar a leitura diária a um ou dois capítulos, passei a seguir fervorosamente os passos de Frodo Baggins rumo a Mount Doom.

.......

Até aqui tudo bem? Espero que sim. Gastei uma página inteira falando sobre a aquisição da obra e de um segundo idioma, mas minhas memórias de leitura não ficam por aqui. Dentro de alguns dias voltarei, não para fazer um resumo ou uma análise de O Senhor dos Anéis - para isso há muitos especialistas – mas para falar sobre o impacto que a obra teve sobre mim, como leitora iniciante e futura escritora de fantasia.

Conto com vocês!

Abraços a todos,

Ana Lúcia