terça-feira, julho 06, 2004

Ursula K. Le Guin

Nascida em 1929, a californiana Úrsula Le Guin é uma das mais aclamadas autoras de nosso tempo. Sua carreira começou cedo – aos onze anos de idade, ela submeteu à revista Amazing Stories um conto sobre viagens no tempo, infelizmente não publicado – e sua produção inclui obras nos mais diversos gêneros, como a poesia, os ensaios, a ficção realista, os livros para jovens, as biografias e a ficção científica. Foi esta última que lhe rendeu vários prêmios Hugo e Nebula, os maiores concedidos para a literatura do gênero... embora a FC de Ursula não seja do tipo tradicional, aproximando-se mais das obras de teor psicológico (como em “A Mão Esquerda da Escuridão”, aqui publicada pelo Círculo do Livro) e filosófico, tal como acontece em “Os Despossuídos” (também publicado no Brasil), no qual sistemas como o anarquismo e o socialismo são discutidos a partir de um choque de culturas entre os habitantes de diferentes planetas.

Um dos livros mais fantásticos de Ursula – que, até onde sei, não foi traduzido para o Português – é “Always Coming Home”, no qual a autora reúne os mais diversos tipos de relato do e sobre o povo que chamou de Kesh. Os Kesh vivem na Califórnia do Norte, numa época situada alguns séculos à frente da nossa. Com uma cultura que lembra a dos índios norte-americanos, mas revelando traços da filosofia oriental, eles tecem, colhem, fazem artesanato, passam por ritos de iniciação e principalmente contam histórias, que se encadeiam e se somam numa fantástica antropologia do futuro. Uma grande parte dos relatos tem a ver com a cultura material, lembrando as recolhas, por exemplo, de Mead e Malinowski (Ursula, filha de antropólogo, se mostra à vontade para criar dentro desse estilo), mas alguns são histórias pessoais e poemas... alguns deles realmente lindos, como “A Canção dos Descobridores”.

Mas a obra mais fascinante de Ursula Le Guin é, sem dúvida, o conjunto de fantasy fiction ambientado em Earthsea, um mundo composto por incontáveis ilhas, no qual a magia se manifesta principalmente através da palavra. Conhecer o nome real dos seres e das coisas significa conhecê-los e, portanto, dominá-los – ou, antes, não se deixar dominar por eles, mas sim seguir o seu caminho de acordo com os padrões do Universo.

Escritos a partir da demanda de um editor por boa fantasy fiction para jovens e jovens adultos, os livros de Earthsea foram a princípio três: “A Wizard of Earthsea”, “The Tombs of Atuan” e “The Farthest Shore”. Todos eles tratam da jornada do herói – a jornada da autodescoberta – e o último aborda também o confronto com a morte e o renascimento do self. Dezoito anos após a publicação do terceiro livro, Ursula escreveu mais um, intitulado “Tehanu”, que trata da magia inerente à condição feminina. São esses quatro livros que estão no volume “The Earthsea Quartet”, o primeiro da minha lista de leitura para 2004, acho que alguns de vocês se lembram. Pois é, a missão já foi cumprida, e eu estou aqui louca para encomendar “Tales from Earthsea” e “The Other Wind”, os mais recentes livros da série. Ela está entre as melhores do gênero, de todos os tempos... e esta não é apenas a minha humilde opinião de leitora.

Em sua obra “Fantasy: the liberation of imagination”, Richard Mathews analisa as semelhanças e diferenças entre os livros de Earthsea e a obra de Tolkien, concluindo que, enquanto o autor de “O Senhos dos Anéis” se preocupou em criar a história e a mitologia heróica de Middle Earth, Le Guin se ateve mais aos aspectos culturais, seguindo ao mesmo tempo uma filosofia de bases taoístas: o equilíbrio (Yin/Yang) necessário à manutenção da ordem, o fim semelhante ao começo. Por sua vez, Tolkien, como outros autores de background cristão, faz uma diferença entre o terreno e o divino, o Bem e o Mal, a recompensa obtida na Terra e a que se conquista ao transcender o plano material.

Essas são visões distintas, mas cada uma delas deu origem a um mundo mágico e fascinante, que vale a pena conhecer. Os leitores de Tolkien e da fantasy fiction tradicional certamente irão gostar da prosa elegante de Le Guin, enquanto os fãs de Harry Potter adorarão visitar a Escola de Magia da Ilha de Roke. Ela é diferente, sem dúvida, de Hogwarts; mas ambas cumprem o propósito de levar os aprendizes a se conhecer e a trabalhar o que há de melhor em si mesmos. Esse é o primeiro passo para se compreender a verdadeira Magia.

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Para quem quiser saber mais, Ursula Le Guin mantém uma página oficial, que abre com um mapa artesanal (e muito bem-feito) do Arquipélago de Earthsea.

Os quatro primeiros livros da série foram traduzidos em Portugal pela Editorial Presença. Aqui, a Brasiliense traduziu pelo menos os dois primeiros (transformando Earthsea em Terramar), mas, até onde sei, ambos se encontram esgotados.

Se alguém quiser encarar a série no original, uma dica: tente a edição inglesa. “The Earthsea Quartet” é uma publicação da Penguin Books cuja aquisição sai mais em conta do que a dos quatro pocket books americanos (se bem que com a confusão do euro e do dólar eu não sei mais nada)...

“Os Despossuídos” (ou “Despojados”, em algumas, e melhores, traduções) e “A Mão Esquerda da Escuridão” não são muito difíceis de achar em sebo. Ambos são ótimos, mesmo para quem não gosta de ficção científica.


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Bom, Pessoas... Vou ficar por aqui. Espero não tê-los cansado muito. Mas pelo menos eu avisei que o post ia ser longo... não avisei?

Não? Bom... Paciência... Só um pouquinho mais, hehehe!

Aos que chegaram até aqui (e aos que pularam linhas também),

Um abraço bem grande!

Até a próxima!

Ana

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