Nascida em 1929, a californiana Úrsula Le Guin é uma das mais aclamadas autoras de nosso tempo. Sua carreira começou cedo – aos onze anos de idade, ela submeteu à revista Amazing Stories um conto sobre viagens no tempo, infelizmente não publicado – e sua produção inclui obras nos mais diversos gêneros, como a poesia, os ensaios, a ficção realista, os livros para jovens, as biografias e a ficção científica. Foi esta última que lhe rendeu vários prêmios Hugo e Nebula, os maiores concedidos para a literatura do gênero... embora a FC de Ursula não seja do tipo tradicional, aproximando-se mais das obras de teor psicológico (como em “A Mão Esquerda da Escuridão”, aqui publicada pelo Círculo do Livro) e filosófico, tal como acontece em “Os Despossuídos” (também publicado no Brasil), no qual sistemas como o anarquismo e o socialismo são discutidos a partir de um choque de culturas entre os habitantes de diferentes planetas.
Um dos livros mais fantásticos de Ursula – que, até onde sei, não foi traduzido para o Português – é “Always Coming Home”, no qual a autora reúne os mais diversos tipos de relato do e sobre o povo que chamou de Kesh. Os Kesh vivem na Califórnia do Norte, numa época situada alguns séculos à frente da nossa. Com uma cultura que lembra a dos índios norte-americanos, mas revelando traços da filosofia oriental, eles tecem, colhem, fazem artesanato, passam por ritos de iniciação e principalmente contam histórias, que se encadeiam e se somam numa fantástica antropologia do futuro. Uma grande parte dos relatos tem a ver com a cultura material, lembrando as recolhas, por exemplo, de Mead e Malinowski (Ursula, filha de antropólogo, se mostra à vontade para criar dentro desse estilo), mas alguns são histórias pessoais e poemas... alguns deles realmente lindos, como “A Canção dos Descobridores”.
Mas a obra mais fascinante de Ursula Le Guin é, sem dúvida, o conjunto de fantasy fiction ambientado em Earthsea, um mundo composto por incontáveis ilhas, no qual a magia se manifesta principalmente através da palavra. Conhecer o nome real dos seres e das coisas significa conhecê-los e, portanto, dominá-los – ou, antes, não se deixar dominar por eles, mas sim seguir o seu caminho de acordo com os padrões do Universo.
Escritos a partir da demanda de um editor por boa fantasy fiction para jovens e jovens adultos, os livros de Earthsea foram a princípio três: “A Wizard of Earthsea”, “The Tombs of Atuan” e “The Farthest Shore”. Todos eles tratam da jornada do herói – a jornada da autodescoberta – e o último aborda também o confronto com a morte e o renascimento do self. Dezoito anos após a publicação do terceiro livro, Ursula escreveu mais um, intitulado “Tehanu”, que trata da magia inerente à condição feminina. São esses quatro livros que estão no volume “The Earthsea Quartet”, o primeiro da minha lista de leitura para 2004, acho que alguns de vocês se lembram. Pois é, a missão já foi cumprida, e eu estou aqui louca para encomendar “Tales from Earthsea” e “The Other Wind”, os mais recentes livros da série. Ela está entre as melhores do gênero, de todos os tempos... e esta não é apenas a minha humilde opinião de leitora.
Em sua obra “Fantasy: the liberation of imagination”, Richard Mathews analisa as semelhanças e diferenças entre os livros de Earthsea e a obra de Tolkien, concluindo que, enquanto o autor de “O Senhos dos Anéis” se preocupou em criar a história e a mitologia heróica de Middle Earth, Le Guin se ateve mais aos aspectos culturais, seguindo ao mesmo tempo uma filosofia de bases taoístas: o equilíbrio (Yin/Yang) necessário à manutenção da ordem, o fim semelhante ao começo. Por sua vez, Tolkien, como outros autores de background cristão, faz uma diferença entre o terreno e o divino, o Bem e o Mal, a recompensa obtida na Terra e a que se conquista ao transcender o plano material.
Essas são visões distintas, mas cada uma delas deu origem a um mundo mágico e fascinante, que vale a pena conhecer. Os leitores de Tolkien e da fantasy fiction tradicional certamente irão gostar da prosa elegante de Le Guin, enquanto os fãs de Harry Potter adorarão visitar a Escola de Magia da Ilha de Roke. Ela é diferente, sem dúvida, de Hogwarts; mas ambas cumprem o propósito de levar os aprendizes a se conhecer e a trabalhar o que há de melhor em si mesmos. Esse é o primeiro passo para se compreender a verdadeira Magia.
.........................................
Para quem quiser saber mais, Ursula Le Guin mantém uma página oficial, que abre com um mapa artesanal (e muito bem-feito) do Arquipélago de Earthsea.
Os quatro primeiros livros da série foram traduzidos em Portugal pela Editorial Presença. Aqui, a Brasiliense traduziu pelo menos os dois primeiros (transformando Earthsea em Terramar), mas, até onde sei, ambos se encontram esgotados.
Se alguém quiser encarar a série no original, uma dica: tente a edição inglesa. “The Earthsea Quartet” é uma publicação da Penguin Books cuja aquisição sai mais em conta do que a dos quatro pocket books americanos (se bem que com a confusão do euro e do dólar eu não sei mais nada)...
“Os Despossuídos” (ou “Despojados”, em algumas, e melhores, traduções) e “A Mão Esquerda da Escuridão” não são muito difíceis de achar em sebo. Ambos são ótimos, mesmo para quem não gosta de ficção científica.
.........................................
Bom, Pessoas... Vou ficar por aqui. Espero não tê-los cansado muito. Mas pelo menos eu avisei que o post ia ser longo... não avisei?
Não? Bom... Paciência... Só um pouquinho mais, hehehe!
Aos que chegaram até aqui (e aos que pularam linhas também),
Um abraço bem grande!
Até a próxima!
Ana
Nenhum comentário:
Postar um comentário