terça-feira, julho 06, 2004

Ficção Pré-Histórica

O nome já é mais do que óbvio, mas assim mesmo vamos lá: esse é um gênero literário em que a ação é ambientada na Pré-História, inteiramente ou em parte. Nesse último caso, a ficção tende a ser mais especulativa, muitas vezes incluindo elementos de ficção científica, tais como as viagens no tempo; mas mesmo as narrativas que transcorrem inteiramente na Pré-História acabam por admitir algum grau de suposição, uma vez que, por melhor que seja o embasamento histórico e arqueológico do autor, este precisa recorrer à sua imaginação quando se trata da psicologia, da forma de pensamento e das relações existentes entre as pessoas e as sociedades ditas primitivas.

Apesar das recentes descobertas arqueológicas, ainda não sabemos muito acerca desses povos, e o que se sabia antes do final do século XIX era praticamente nulo. Por isso, datam dessa época as primeiras histórias do gênero. Com sua maravilhosa visão do futuro, Jules Verne saiu na frente: em 1864, Axel e Lidenbrock encontram um homem e um mundo pré-históricos no Centro da Terra. A ficção inteiramente ambientada naqueles tempos, contudo, só surgiu com Bandelier, que publicou “Os Fazedores de Delícias” em 1890. Depois disso, Stanley Waterloo publicou “A História de Ab”, em 1897, e acusou Jack London de plágio quando, em 1907, este escreveu “Antes de Adão”, na verdade uma história completamente diferente, onde se trata dos conflitos de um homem moderno em contato com sua memória ancestral.

O tema foi consolidado com os irmãos belgas Joseph-Henri e Séraphin-Justin Boëx , que escreveram vários livros sob o pseudônimo conjunto de J.-H. Rosny. O mais conhecido – “A Guerra do Fogo”, de 1912 – foi o primeiro a narrar a aventura sob o ponto de vista dos próprios homens pré-históricos. Jean-Jacques Annaud levou o livro às telas, produzindo um filme quase épico, realista e impressionante, que vem a ser meu preferido (para quem não sabia, é uma boa ocasião para ler ou reler o meu perfil, hehehe). Também em 1912, Arthur Conan Doyle publicaria “O Mundo Perdido”, um exemplo clássico de ficção especulativa. Outro autor conhecido a se aventurar na Pré-História foi E. R. Burroughs, em uma série de romances menos conhecidos que os de seu herói Tarzan.

Em 1955, um ano após o sucesso literário de “O Senhor das Moscas”, William Golding publicou “Os Herdeiros”, no qual se fazia a primeira tentativa de mostrar o que seria, realmente, o pensamento primitivo. Sua história narra o encontro de um grupo de Homens de Neandertal com os primeiros homens da espécie Sapiens, tema que seria retomado no primeiro livro da série “Os Filhos da Terra”, de Jean Auel. O livro, “O Clã da Caverna do Urso”, foi publicado em 1980 e apresentou ao público a heroína Ayla, agora em seu quinto livro, ainda não publicado no Brasil (eu comprei o pocket, de pura “gulodice literária”, pois as críticas foram muito ruins).

Com Jean Auel pode-se ver uma tendência cada vez mais evidente nos livros de ficção pré-histórica que vieram depois, nos quais os autores fazem uma exaustiva pesquisa histórica, arqueológica e antropológica para dar cor e credibilidade às suas narrativas. Estudiosa de sociedades “primitivas” contemporâneas, Elizabeth Marshall Thomas conseguiu excelentes resultados em “A Lua da Rena”, enquanto William Sarabande e Michael e Kathleen Gear, autores de séries que retratam os primeiros habitantes do continente americano, recriam com mestria a cultura material, mas têm dificuldades em fazer com que seus personagens pensem e ajam diferentemente dos homens e mulheres modernos. Isso não é, contudo, um empecilho para que criem histórias interessantes, além de informativas para quem se interessa por aquele período e pelos nossos ancestrais.

E agora vem a pergunta... Por que eu, entre tantos gêneros, gosto especialmente desse?

As razões são várias, algumas mais fáceis de explicar do que as outras. Em primeiro lugar, vem o gosto literário. A ficção pré-histórica trata muitas vezes de aventuras, de luta pela sobrevivência contra inimigos e contra um ambiente hostil, e quase sempre inclui algo de busca pessoal, como acontece aliás com a literatura do tipo fantasy. Isso mexe com minha imaginação e prende meu interesse, portanto aí está uma das razões.

Outra razão tem a ver com meu gosto por História e Arqueologia, por Antropologia e Mitologias Comparadas, que também encontra eco nesse tipo de ficção. É muito melhor ler sobre os artefatos encontrados em determinado sítio quando os visualizamos em seu ambiente, e quando em seguida aparece alguém todo preparado para a Dança do Urso. Mesmo que a história desse “alguém” seja inventada pelo autor do livro, ele vai me ajudar a lembrar como eram o artefato e a sua indumentária. E eu posso imaginar por mim mesma a música e a dança.

Quanto à terceira razão... Esta continua a ser um mistério. Eu gosto de ficção pré-histórica, e da Pré-História em geral, porque aqueles tempos evocam alguma coisa dentro de mim. Algumas pessoas diriam que tem a ver com vidas passadas, outros com o inconsciente ou memórias atávicas, mas eu não sei. Só sei que passei várias noites sem dormir direito depois de ver “A Guerra do Fogo”, e virei uma noite e um dia até ler todo “O Clã da Caverna do Urso”, e várias são as histórias ambientadas naquele período que exercem sobre mim uma espécie de fascínio. Talvez eu seja como o Buck de Jack London, e essas histórias sejam o meu Chamado Selvagem... ou talvez simplesmente dêem muito espaço para a minha imaginação trabalhar. Quem pode ter certeza?

Tudo que sei é que a ficção pré-histórica ocupa um espaço generoso nas minhas estantes. Por isso, resolvi conceder a ela um espaço também nesta aqui... e assim compartilhar isso com vocês. Pois de onde, senão daqueles tempos antigos, vieram as lendas e as histórias contadas ao redor do fogo?

Abraços pra vocês,

Ana Lúcia

P. S. Para quem se interessar em saber mais, o site http://www.trussel.com/f_prehis.htm traz um histórico do gênero, uma bibliografia exaustiva que inclui HQ (com algumas resenhas) e links para sites relacionados a descobertas arqueológicas. Recomendadíssimo para Pessoas de todos os Clãs e Tribos.

3 comentários:

Anônimo disse...

Achei que nunca encontraria alguém com as mesmas "loucuras" pré-históricas que tenho. Também incursiono pelo mundo medieval. Meu fascínio, emfim, resumindo, é pelo passado, não importa quanto tempo precise retornar. Quanto mais remoto, melhor.
Pedro Paulo Buchalle - pbuchalle@yahoo.com.br

Múcyopower disse...

Gostei muito da postagem.
Gostaria de saber se você conhece algum livro nesse mesmo estilo só que fala sobre as civilização ameríndias.

Ana disse...

Hmmm... Olha, existem várias séries que abordam civilizações paleoamericanas, e eu li várias. Tem a "The First Americans", do William Sarabande, mas não gostei muito da escrita, achei alguns personagens detestáveis, mesmo que o autor tenha feito uma boa pesquisa sobre evidências materiais. https://www.penguinrandomhouse.com/series/A27/first-americans-saga

A série de Michael e Kathleen Gear é um pouco melhor. Só que depois de alguns livros ela cansa um pouquinho. Este é o link para o primeiro deles, na Amazon.
https://www.amazon.com.br/People-Wolf-Americas-Forgotten-English-ebook/dp/B0082401UK/ref=sr_1_1?__mk_pt_BR=%C3%85M%C3%85%C5%BD%C3%95%C3%91&keywords=Michael+Gear+wolf&qid=1588539373&sr=8-1

Tem a série "Asteca" também, de Gary Jennings, traduzida no Brasil, mas aí eu acho que já não podemos pensar em termos de Pré-História.

E, trabalhando com culturas brasileiras, temos "O Homem do Sambaqui", de Stella Carr, que eu acho bem legal no que se refere a pesquisa com base em achados arqueológicos, mas toma bastante liberdades (assim como as primeiras séries que citei).

Espero ter ajudado um pouquinho.