quinta-feira, janeiro 27, 2011

A Arte do Descarte

Há alguns dias fiz uma participação especial no blog Inútil, da Adriana Alberti, que publica a série “Mostre Sua Biblioteca” (se alguém quiser ver como são as “estantes mágicas” de verdade, é só clicar aqui). Uma leitora, aliás bibliotecária como eu, comentou ser impossível nos desfazermos dos livros – uma posição bem diferente da minha, que já me desfiz de mais de 1.000 volumes. Foi a partir daí que surgiram estas reflexões.

Na faculdade, entre as matérias que ensinavam como administrar bibliotecas, tive uma que enfatizava a importância do descarte. A palavra assusta, concordo, mas, quando se trata de livros, “descartar” dificilmente significa “jogar fora”. O que acontece na prática é que, dadas as limitações de espaço e o fato de as bibliotecas estarem (quase) sempre crescendo, é recomendável fazer uma triagem periódica, separando o que é pouco utilizado, as obras obsoletas, as danificadas e os exemplares triplicados, quadruplicados e daí para cima. Isso se faz através de métodos e critérios que variam de acordo com a biblioteca, e, como devem imaginar, pode ser complicado quando se tem que passar pelo crivo de outros.

O exemplo mais típico ocorre nas bibliotecas universitárias, onde os professores sempre acham que podem precisar daquele livro “mais tarde”. Nesse caso, é comum vê-los “salvar” as obras do descarte, levando-as para suas salas de trabalho ou até para casa, onde a regra – embora haja exceções – é que continuem intocados, apenas ocupando espaço e acumulando pó.

É desse triste destino que o descarte pretende poupar os livros. Uma vez selecionados, eles são passados à frente por meio de venda, troca ou doação, que costuma ser bem-vinda em bibliotecas populares ou comunitárias. É verdade que muitas vezes não se sabe a quem doar, mas isso não é problema, desde que você não faça questão de receber algo em troca. Ligue para o sebo mais próximo ou, em cidades grandes, fale com aqueles livreiros de calçada. A maioria ficará feliz em se encarregar dos livros, e é mais provável que eles acabem encontrando novos donos do que se estivessem escondidinhos na sua casa.

Para as obras em bom estado e não-didáticas, há opções ainda mais interessantes. Elas podem ser vendidas, trocadas e até deixadas em bancos de praça, como aconteceu numa campanha há muitos anos (espero que neste momento haja alguém se deliciando com meu "Tibicuera", deixado numa praça em Niterói, e o faroeste no Parque das Águas de Caxambu). Isso faz com que os livros circulem, o que, pensando bem, é a sua principal função. Muito mais do que simplesmente decorar estantes.

Agora, com tudo isso, não estou querendo dizer que você deve detonar sua biblioteca pessoal. Pelo contrário! Ao longo das duas décadas em que venho me desfazendo de livros (até os 20 anos me limitei a acumulá-los) eu devo ter comprado pelo menos quatro volumes para cada um dos que descartei. Não tenho mais espaço, as estantes estão abarrotadas, e assim continuarão mesmo que saia outra leva, toda de leitura recente e à qual não pretendo retornar. Porque, é claro, assim como há critérios de descarte há os de permanência. Livros de que gosto muito, os difíceis de repor, os que sempre revisito, os que uso como referência para trabalhar, esses vão ficando, e creio que ficarão para sempre.

Ou até que chegue o dia da... Bom, aquele dia.

No início de janeiro, comecei a organizar a biblioteca de meu pai, que deixou cerca de 5.000 livros. Meu irmão gastou uma tarde numa separação prévia, pondo à parte os livros sobre estudos religiosos que serão doados ao seminário onde o Prof. Policarpo estudou nas décadas de 30 a 50 (sou praticamente uma filha de padre). Eu levei menos de duas horas para encher uma estante com best-sellers descartáveis, auto-ajuda e jornalismo oportunista para que os membros da família tirem o que quiserem antes de chamar o livreiro mais próximo. Com isso a casa ficará menos atravancada, mais arejada, e outras pessoas poderão aproveitar aquelas obras que, acumuladas por meu pai, não têm qualquer utilidade para nós. Temos certeza de que ela aprovaria. Afinal, a vida inteira doou livros para seus colegas e alunos, sem falar das centenas que comprou para os filhos e as netas.

Do que sobrou – Literatura, muita Linguística, um pouco de História e Ciências Sociais – irei, numa segunda e criteriosa etapa, determinar o que ainda pode (ou não) sair e o que fica em casa, por interessar a minha mãe ou por já ser um bem de família. Há livros que chegam a isso, seja por raridade, razões sentimentais ou uma combinação de ambos. E nesses casos concordo que é impossível nos desfazermos deles.

Eu poderia prosseguir nesse assunto, afirmando que a arte do descarte não serve apenas para os livros, mas também para a vida; que é preciso arejar corações e mentes, deixando ir embora o que já não serve a fim de criar espaço para o novo. Mas prefiro parar por aqui. Como já disse, os livros de auto-ajuda estão no topo da minha lista de bota-fora.

Até a próxima!

Ana

10 comentários:

Ana disse...

E antes que alguém diga que o destino de muitos livros é, na verdade, o lixo: sim, isso pode acontecer, e nesse caso eles irão para a reciclagem, o que no fim das contas ainda é melhor do que ficarem se enchendo de mofo e sendo devorados por insetos. Só pra encerrar de forma ainda mais pragmática. ;)

Parreira disse...

Eu chamaria a isso de "A Difícil Arte". Teho tanto apego aos meus livros que sinto enorme dificuldade em me descartar de qualquer um deles, mesmo aqueles já bem detonadinhos. Esta semana mesmo (hoje), já vou comprar mais uma estante, porque tá difícil aqui - livro pra tudo que é canto. E, no meu caso, parece até buraco: por mias livros que eu me livre, mais livros aparecem: a carteira da rua já me clonhece como o cara "que recebe livros toda semana"... Pode?

Ana disse...

Pode. Meu pai tinha nada menos que quatro estantes na sala (sala de um apartamento comum). Eu tenho só uma, porque meu marido é contra comprar mais, mas tenho livros em quase todos os cômodos da casa.

Como eu disse, a gente se livra deles, mas continuam a brotar, sabe-se lá o porquê... ;)

Anônimo disse...

Eu sou uma acumuladora confessa e inveterada, e não só de livros. Tenho muito de tudo aqui em casa. Felizmente agora meu apartamento tem bastante espaço, mas a vida inteira tive que escolher entre morar ou dar lugar aos meus pertences. O fato é que tenho carinho especial por todos e cada um deles, e me cdesfazer parece missão impossível. Um dia, quem sabe. Mas enquanto esse dia não chega...

Estela Zardo

Allana disse...

Eu tenho síndrome do esquilo: guardo tudo durante algum tempo. Mas então chega uma hora em que é preciso renovar e arejar, daí eu faço uma limpeza sem dó. Os livros eu costumo doar para bibliotecas de escolas ou, quando percebo que uma escola faria pouco uso (como algo de estudo), levo em um sebo, assim posso pegar um outro livro interessante pra mim e disponiblizá-lo a outra pessoa que pode usá-lo. :)

Vânia Vidal disse...

Oi Ana!

Eu tenho tantos livros no meu quarto que quase não há mais espaço para mim. Nem o piano escapou: virou estante não só de partituras, mas de livros.

O parapeito da janela está abarrotado - já não abro uma parte dela para não danificá-los.

Há pilhas por todos os lados, inclusive na parte de baixo da escrivaninha, onde deveria estar a cadeira. Aliás, a cadeira também está com uma pilha.

A sala tem uma estante fechada de dois metros de altura: lotada.

O corredor tem nada menos que mil discos e sabe-se lá quantos livros junto.

O maior quarto da casa (que é bem grande) tem pilhas e pilhas deles por todos os cantos que se olhe.

Estamos planejando colocar estantes suspensas e pelo menos tirar os que estão nas varandas e colocá-los em locais decentes.

Já descartei quase tudo o que me era inútil. Fiquei somente com o essencial para trabalhar, com os de estimação e com os assinados, mesmo assim nem consigo contá-los.

Só semana passada comprei mais de oito novos. Aguardo que cheguem outros tantos...

Quanto mais a gente doa, mais eles aparecem. É impressionante!!

No entanto, vou fazer uma limpeza básica esses dias e trocar alguns, dar outros ver o que se pode fazer para diminuir sua quantidade, aproveitando para fazer um inventário...até porque quem é alérgico não pode vir me visitar e quando me perguntam se tenho um livro eu gasto dias procurando o dito...

Foi bom você falar nesse assunto para me lembrar de dar jeito neles (os livros). E os meus, tenho visto, têm planos secretos de dominar não só a casa, mas o mundo!

Bjs Vânia

Adrianna Alberti disse...

Quando você comentou comigo que queria fazer uma reflexão sobre o descarte, não imaginaria que saisse um post tão interessante.
Li inteiro e adorei! Eu ainda acho difícil me desfazer de algum dos meus livros, embora eu já tenha trocado um que não gostei e sabia que não iria lê - lo depois! O que para mim é um começo e uma raridade e tanto. Ainda assim sua reflexão foi inspiradora!

E tendo em vista a experiência bibliotecária que possui, acho que você tem um ponto de vista até mais prático do que a maioria dos pequenos, médios ou grandes colecionadores.

Ana Thomazini disse...

"Eu poderia prosseguir nesse assunto, afirmando que a arte do descarte não serve apenas para os livros, mas também para a vida; que é preciso arejar corações e mentes(...)"

Excelente post, tia Ana! Muito bem escrito e inspirado, como sempre! Enfim, a arte do descarte não serve somente para passar adiante o que não mais nos serve, como também para praticar o desprendimento de coisas materiais que, como já dito anteriormente, não nos serão mais necessárias ou que criamos uma espécie paixonite egoísta.

Unknown disse...

Estava procurando na internet uma resposta para meu dilema e acho que aqui foi solucionado. Eu estou sofrendo bastante por ser a quarta filha de uma família de estudiosos e todo mundo deixou pra trás aquilo que não seria apropriado em suas casas. Tenho coleções de revista do meu irmão e até uns exemplares do famoso Guia Rex que parecem me fazer ficar mais ansiosa em me livrar deles em uma era de gps e google maps...
Minha irmã deixa pra trás como pedagoga, livros e mais livros e papeis, muitos papéis...
Minha mãe acumulou revistas de moda e costura que pouco a interessam. Vou tentar com todas as minhas forças fazer espaço na casa pois estou vendo a poeira crescer a cada saída de meus familiares do que eles consideram 'casa matriz'...
Sou uma amante dos livros também, mas todos os meus livros estão em dia e limpinhos, porque amo minha biblioteca pessoal. Namoro um apaixonado por literatura que tem esse mesmo zelo e já não aguento mais adiar o momento de dizer adeus para alguns livros impossíveis de se manusear e outros que certamente serão melhor utilizados por outras pessoas.
Obrigada!

Anônimo disse...

Meus pais eram pessoas pouco letradas, mas desde meus dez anos quando descobriram que gostava de ler, compravam livros, minha mãe que estudou menos (até 3o. ano) lia mais. Dos livros desta época só tenho uma coleção de La Fontaine. Teria o dobro dos livros que tenho se não os tivesse doado, perdido, emprestado e não devolvido, reciclado. Adorei seu artigo, achava que minha estante precisava de outra, mas não, o espaço mais importante que os livros ocupam não é físico. Parabéns pelo excelente texto.