Vivemos em três países diferentes. Isso me ocorreu quando
esperava na fila da padaria. À minha frente, um homem de meia-idade, calvo e de
bermudas, discorria para um amigo mais novo sobre os indiscutíveis avanços do
governo federal, tudo de bom que os ministros vêm fazendo e como em apenas um
ano o Brasil já cresceu tanto que caminha para se tornar uma potência. O
problema é que a imprensa, vendo-se privada das tetas em que mamou durante
tantos anos, só divulga notícias falsas, de forma que o senhor na fila da
padaria não sabe como as pessoas ainda compram jornais e assistem à televisão.
Ele mesmo se informa através de um jornal online que é o único realmente
conservador, parece até que certo filósofo autoproclamado é um dos colunistas.
De qualquer jeito, a coisa vai tão bem que em breve os opositores do governo
perderão qualquer oportunidade de virar a mesa, principalmente se o governo for
reeleito. Depois de quatro anos, a imprensa não terá mais como esconder a
verdade, e a aprovação popular será tão grande que aos canalhas só restará
calar a boca.
A mim, que geralmente não me calo, naquele momento achei que
fosse o mais prudente, inclusive por educação. Não conheço, portanto não me
cabe opinar sobre o país onde vive aquele senhor; no meu os ministros só
cometem barbaridades, quisera fosse apenas contra a língua pátria, e, se o
Brasil caminha para algum lugar sob essa direção, não tenho a menor dúvida de
que é o abismo. Mas não havia de ser eu a discutir com o estrangeiro, naquele
momento exaltando a inteligência e o preparo de um famoso jurista egresso do
sul. Restou-me voltar as costas e conversar com a senhora que esperava na fila
atrás de mim, e assim falamos sobre as vantagens e desvantagens de adicionar
ovos ou linguiça à farofa, e concordamos em discordar, e nos despedimos sorridentes,
sem que eu soubesse – e nem queria saber – se vivemos no mesmo país ou
se ela habita a mesma terra que produz pessoas de bem, tais como aquele homem de meia-idade, calvo e de bermudas.
E o terceiro país? Ah, é aquele em que vivem as pessoas que
estavam do lado de fora, esperando que concluíssemos nossas compras para pedir
que, com o troco, lhes pagássemos algo para comer. Mas esse é um país que quase
ninguém enxerga.
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