quarta-feira, setembro 01, 2004

Ilustríssima Barnabé (parte 1)

Pessoas mui queridas,

Conforme eu prometi, e nosso amigo Milton já cobrou, aqui vai um post especialmente dedicado a descrever as dores e as delícias da minha vida de funcionária pública, também conhecida pela simpática alcunha de barnabé. Ou talvez seja melhor dizer: o primeiro post. Pois uma frase puxa outra, e há tantas histórias que gostaria de contar! Acho que elas não caberão numa única conversa.

Antes de começar, deixo aqui uma solene promessa: não reclamarei do meu salário. Todos sabem como ele está defasado depois de anos e anos de reajuste, e, sobretudo, já me cansei de ouvir dizerem que eu “ganho muito bem” em comparação ao resto do país. Também não vou dizer, pois todos que já foram a uma repartição sabem disso, que trabalhamos em péssimas condições, que falta material de consumo – desde borrachas plásticas a cartuchos de impressora - , que a política interna da instituição não se preocupa nem com a qualidade de vida nem com o crescimento profissional de seus funcionários. Direi apenas que, apesar dos pesares, gosto da minha profissão, tenho muito carinho pela Biblioteca Nacional e – embora aqui não me considerem uma escritora, professora ou mesmo pesquisadora – o fato de trabalhar na Casa é uma boa referência quando encaminho um artigo para publicação ou a proposta de um curso ou palestra. Aos trancos e solavancos, estou construindo uma carreira, como fizeram Lima Barreto, Machado de Assis, Carlos Drummond de Andrade e tantos outros “ilustríssimos barnabés” que vieram antes de mim. Assim, já viram... Se tenho algo de que me queixar, não é de estar em má companhia...! ;)

Mas vamos ao que interessa: o meu trabalho na Biblioteca Nacional. O que eu faço por aqui quando não estou escrevendo em nenhum blog?

Bom, para começar, eu sou uma bibliotecária, e minhas funções, definidas na descrição do cargo, se referem ao processamento técnico (i. e., registrar, classificar, catalogar e guardar livros) e difusão do acervo bibliográfico da BN (ou seja, atendimento ao público). E, de fato, é isso que faz a maior parte dos bibliotecários da Casa. Eu, porém, pertenço a um grupo de elite: os funcionários da Coordenadoria de Acervo Especializado. E em tese deveria ser especializada também, embora a Casa não nos proporcione nenhum tipo de treinamento, nem nos libere de nossos deveres para estudar. Vamos aprendendo, alguns em cursos feitos por conta própria, mas a maior parte no dia-a-dia, os fundamentos de História, Artes e Literatura que deveriam se constituir na base do nosso curso.

No meu caso, tive a sorte de já trazer alguma bagagem cultural e de ter sido lotada na Divisão de Manuscritos, onde há algo a fazer além de processamento e atendimento. Não que eu não faça isso também! Aliás, faço bastante: a maior parte de meu trabalho consiste em ler manuscritos (do século XIX para cá) e preencher planilhas com a sua descrição física e um resumo do conteúdo. No momento estou trabalhando com a coleção do jornalista Paulo Tacla, um armário de 1,80 m repleto do início ao fim de cartas, cartões, rascunhos de discurso e recortes de periódico. Também estou ajudando a inventariar o acervo (de cerca de 800.000 itens) da Divisão, o que significa duas ou três horas por dia rasgando pastas de papel ácido e as trocando por pastas de papel alcalino, nas quais transcrevo o resumo do documento ali contido. No mês passado escrevi 392 vezes (juro!) a frase Carta de João Capistrano de Abreu a João Lúcio de Azevedo, mudando apenas o local e a data. Sabem aquele castigo que davam na escola, de escrever trocentas vezes a mesma coisa? É mais ou menos por aí.

Outro ponto alto da minha rotina acontece nas manhãs de quinta e sexta-feira, quando estou no plantão de atendimento. Por determinação da chefia, tenho que ficar das 10 às 11:30 da manhã, nesses dois dias, sentada ao balcão, recebendo, tirando dúvidas e encaminhando os pedidos dos leitores. Entretanto, quando não estou no plantão e os funcionários encarregados de pegar as obras não estão à vista, posso ser solicitada a parar o que estiver fazendo e localizar livros e manuscritos nos armários. Este post, por exemplo... desde que comecei a escrevê-lo já fui interrompida duas vezes. E haja inspiração!

Mas o que descrevi até agora foi apenas a parte rotineira (e freqüentemente chata) do meu trabalho. Falta falar do melhor... daquilo que se constitui no meu diferencial em relação a meus colegas... daquelas coisas que Merege faz bem, e que, por isso, hoje em dia só Merege faz. Aí vocês vão ver por que continuo gostando de trabalhar aqui, e por que acho que estou no lugar certo para exercitar minha criatividade.

Vão ver... mas só no próximo post, pois este já está bem longo. E, lamento, só na semana que vem. Amanhã e depois vai ser impossível, pois minha cota do inventário está atrasadíssima... e eu terei que ficar no balcão praticamente a manhã inteira. Fazer o quê?

Então, a vocês que ficam,

Saudações barnabés!

Abraços a todos,

Ana Lúcia

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