domingo, junho 16, 2013

J de João Grilo


Este post não ia sair hoje. Na verdade, eu até já tinha publicado aqui um pouco mais cedo. Mas eis que o Marco Haurélio, editor de Os Contos de Fadas e autoridade em assuntos folclóricos e cordelísticos, acaba de avisar que hoje é aniversário do Ariano Suassuna. Então, não tive como adiar... Venham de lá estas memórias.

O Auto da Compadecida foi um dos primeiros livros que li na biblioteca de casa (isto é, descontada a do meu avô, quase só Humberto de Campos e Malba Tahan, e os meus livros infantis e de recontos clássicos). A capa era como essa que ilustra o post, uma edição antiga da Agir, mas se não me engano havia verde em lugar do vermelho. Que eu me lembre, não vi o livro sendo lido por meus pais ou por um de meus irmãos, o que invariavelmente aguçava minha curiosidade; devo ter pegado na estante, como peguei tantas outras coisas, ao acaso, apenas procurando algo novo e legal para ler.

E, que bom, acertei em cheio. :)

O texto dessa obra é o de uma peça teatral. Na verdade, como já diz o título, um auto, composição com elementos cômicos e fundo moralizante que foi usada desde a Idade Média, muitas vezes por autores religiosos. A ligação cultural existente entre o Nordeste, cenário da peça, e o universo medieval - apontada por Suassuna e outros pesquisadores do tema - me escapou completamente naquela época. O que chamou a atenção foi a presença dos cangaceiros, que me levou a procurar informações adicionais sobre o tema (foi pouco depois disso que eu li Capitães de Areia e me apaixonei não pelo Pedro Bala, mas pelo Volta Seca), os diálogos incríveis e, claro, a esperteza do João Grilo, um pícaro brasileiro, aparentado com Malasartes e com meus tricksters preferidos.

João Grilo foi imortalizado pelo trabalho de Suassuna, mas aparece em textos mais antigos, como Proezas de João Grilo de João Martins de Athayde. Na verdade é uma personificação do que os nordestinos do interior chamam de "amarelo", o sertanejo castigado pela seca e pela pobreza, mas que, com esperteza e resiliência, consegue superar as dificuldades. No Auto de Suassuna, ele enrola de forma magistral o casal de patrões mesquinhos, religiosos avarentos e um cangaceiro desconfiado. No fim, como se não bastasse, o próprio Diabo, embora aí conte com a ajuda providencial de Manuel (avatar negro de Jesus Cristo, cuja aparição denuncia o preconceito existente no próprio Grilo) e sua mãe, a Compadecida do título. As tiradas de João não seriam possíveis, porém, se não fosse o seu "segundo", Chicó, um loroteiro de marca maior, cujas invenções levam Manuel a advertir: "Estou de olho"!

Quase vinte anos após essa leitura que tanto me agradou, assisti à minissérie da Globo, estrelada por Matheus Nachtergaele como João e Selton Mello como Chicó, ambos impagáveis, assim como o resto do elenco. Na série, e no filme que veio a seguir, o papel de Chicó é ampliado, garantindo um interesse romântico e uma rixa com um valentão (outro tipo frequente no imaginário nordestino, que para alguns autores se opõe à figura do "amarelo"). E, claro, mais planos mirabolantes orquestrados por João Grilo.

A leitura do Auto abriu portas para que eu conhecesse outros textos teatrais, literatura regional e cordel. O próprio livro foi relido muitas vezes, e a cada uma iam se agregando novos significados. O que estava lá desde o início e sempre permaneceu foi o prazer dessa leitura ágil e divertida, que entrou sem esforço para minha memória afetiva.

E mais não sei. Só sei que foi assim. :)
.....

Abraços a todos,

Até a próxima!

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