quinta-feira, janeiro 26, 2012
Um Bom "Pré-texto" Para Escrever
Alguns leitores pensarão em premeditação, mas eu juro: nem me dei conta de que este post seria o primeiro do ano. Foi por acaso que decidi escrever sobre epígrafes. E, no fim das contas, creio que poucos temas seriam mais adequados para a retomada de um blog literário.
Epígrafe vocês sabem o que é: aquela frase ou fragmento de texto que aparece antes de um conto, romance ou mesmo trabalho de não-ficção. Sem trocadilho, um pré-texto, geralmente escolhido com o máximo cuidado, pois sua função é introduzir ou resumir o texto principal. Seja uma estrofe de Camões ou um ditado ouvido da velha tia do autor, a epígrafe dá o tom da obra, uma pista ao leitor acerca daquilo que o espera. E, em caso de ratos de estante como eu, costuma criar expectativas imediatas.
Para ilustrar, eis o caso de “A Lua da Rena”, de Elizabeth Marshall Thomas - um dos meus livros preferidos, que li pela primeira vez aos 18 anos e devo ter relido umas 20 vezes desde então. São duas as epígrafes, sendo a primeira de Joseph Campbell:
Mesmo que todos os falcões do mundo desaparecessem, sua imagem ainda repousaria na alma de um pintinho.
Para uma adolescente sensível, meio perdida em busca de respostas, essas palavras provocaram um estalo. Eu lia muito sobre esoterismo e desde a infância gostava de mitologia, mas foi a epígrafe que me levou a Joseph Campbell e a leituras que em muito alargariam meus horizontes. Esse processo, contudo, levaria anos, ao passo que a conseqüência imediata foi me deixar ávida pela leitura de “A Lua da Rena”.
Felizmente para mim, a obra cumpriu as promessas da epígrafe, levando-me a mergulhar num mundo primitivo, selvagem e cheio de magia – o que, ao contrário do que possam pensar, não se aplicaria a qualquer livro ambientado na Pré-História. Era preciso uma temática fortemente ligada ao xamanismo, um cenário bem construído e uma história muito especial – o que de fato encontrei, e que, ao longo dos anos, me inspiraria a querer fazer o que sugere Peter Sacks, autor da segunda epígrafe:
Mestre, sabeis que espero que a lua volte para mim,
A fim de que eu possa retornar ao meu lugar.
Para que eu possa ouvir novamente as histórias de meu povo
Que vêm de muito longe.
Com essa história, acho que já deu para concluir que sou uma incorrigível amante de epígrafes. Acho fascinante a forma como alguns autores conseguem promover o casamento perfeito entre o texto e os seus pré-textos. E é claro que, desde que comecei a escrever de uma forma mais organizada, tratei de achar para os meus trabalhos epígrafes que introduzissem exatamente aquilo que eu queria partilhar com o leitor.
A tarefa nem sempre é fácil, mas é divertida, absorvente - uma espécie de caçada, a não ser em casos muito especiais, quando a epígrafe adequada parece saltar aos olhos. Foi esse o caso da que usei no meu primeiro livro, “O Caçador”: alguns versos de uma canção do “Livro da Selva”, de Rudyard Kipling, em que se deseja boa caçada a quem segue a lei da floresta. Já em “O Jogo do Equilíbrio” a busca demorou um pouco mais, e nesse meio-tempo acabei compilando um arquivo com dezenas de epígrafes para histórias sobre o herói, Cyprien de Pwilrie. A escolha acabou recaindo sobre uns versos de Rita Lee, da música “Bobos da Corte”- foi a que melhor traduziu aquele episódio - mas o arquivo tem de tudo, de Shakespeare a Ferreira Gullar.
No início deste ano, Cyprien aparece de novo em “Pão e Arte”, e pensei bem antes de me decidir por manter a epígrafe original da novela cuja primeira versão é de 1998. Trata-se de um livro juvenil, mas estaremos em meio a uma revolução, por isso não vi problema em continuar com os versos de Brecht. Espero que os leitores (ou seus pais) não achem muito pesado! :)
E o “Castelo das Águias”? Aí também reside uma longa história. Depois de uma epígrafe de Sartre no primeiro conto em que apareceu o Kieran (“A Encruzilhada”, em “Imaginários 1”), queria mais uma que fizesse pensar, mas que ao mesmo tempo falasse sobre águias e liberdade. A escolha havia recaído sobre um poema de Tennyson, chamado “The Eagle”, mas eu sentia que alguma coisa ali não soava bem. Era erudito demais, não combinava com aquele livro e com seu público-alvo. Só no último momento deu o estalo: se a Anna vem de uma tribo, se suas crenças são inspiradas nas dos nativos americanos, por que não procurar por lá?
Foi assim que "O Castelo das Águias” acabou saindo com uma prece pawnee como epígrafe, bem ao estilo da Anna, e mais uma frase que tinha a ver com as águias, mas também com amor e liberdade. Ela resume o primeiro momento do romance entre Anna e Kieran, que prosseguirá num segundo livro previsto para 2013... e para o qual, naturalmente, já estou procurando epígrafes. Não posso dizer que já me decidi, mas adianto que serão duas, e uma delas possivelmente retirada de uma letra de rock. Afinal, Kieran será o narrador – e não são vocês que dizem que ele tem cara de metaleiro?
Então, pra quem conhece o personagem e quiser ajudar, estou aberta a sugestões. Nem precisa ser rock: um trecho de letra, de poema, uma passagem literária que traduza Kieran de Scyllix. E que, perdoando o trocadilho, se converta num bom “pré-texto” para contar melhor a sua história.
Aguardo – e deixo aqui o desejo de um ótimo Ano do Dragão!
Abraços a todos!
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3 comentários:
olá!
te dei uma epígrafe linda do Bandeira para o Pão e Arte, mas você quis ficar com o Brecht... então...
Bjos,
Vania
É incrível como as palavras fluem por teus dedos e como tua escrita sempre tem um quê de mágico e cheio de um charme próprio que é somente seu. Parabéns pelo inspirado texto!
beijos da Ana!
Vi há pouco uma frase que achei interessante e que particularmente combina com o mestre Kieran:
"Sim. Eu sou muito mais assustador na vida real porque eu sou - diferentemente da imagem que muitos fazem de mim - real."
(Varg Vikernes, da banda norueguesa de Black Metal, Burzum)
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