Ao atravessar o parque, como faço todas as manhãs, frequentemente me deparo com uma dupla formada por um senhor bem idoso e uma mulher de meia-idade. Não sei se ela é sua filha, parente, ou uma pessoa contratada para acompanhá-lo. Sei que os vejo sempre no mesmo lugar, um banco próximo ao portão que uso para sair, e sempre do mesmo jeito: o senhor, quieto, até cabisbaixo, e a mulher falando alto e sem descanso num telefone celular.
Quero crer que é tudo uma coincidência: que sempre passo por ali no exato momento em que ela telefona para saber de alguém, quem sabe um filho adolescente que ficou em casa, e que antes e depois dessa ligação ela dá atenção àquele senhor. E que essa atenção vai além de segurar-lhe o braço quando ele caminha. Mas meus horários variam, e às vezes me demoro olhando as árvores ou o arco-íris do chafariz, e nunca presenciei qualquer coisa diferente disso.
Tenho vontade de me aproximar, sentar-me ao lado desse senhor no banco e puxar conversa, só para ver o que acontece. Mas ainda não me atrevi a fazê-lo. Em vez disso, sigo meu caminho, sentindo que espinhos se enterram, cada vez mais fundo, nos pés e no coração da mulher grisalha.
***
Imagem retirada deste site legal.
Um comentário:
Não seria o velho talvez transportado de uma certa praça lisboeta no Ano da Morte de Ricardo Cruz. Ou talvez em outros horários ele passe(o que lhe resta dos dias ou da cinza das horas) alimentando os pombos com o pouco que lhe resta(da memória)
Análise Conjunta
César
Postar um comentário