domingo, maio 20, 2012

O Tempo e as Caixinhas


Numa conversa a respeito da minha simpatia pelo Orkut, minha amiga Alicia Azevedo observou tratar-se de um “sistema de caixinhas”. Na hora ri, brinquei com minha já tão denegrida profissão: sou bibliotecária, gosto de caixinhas, fazer o quê. No entanto, depois que parei pra pensar, vi que tem mesmo um lado meu que gosta e precisa de organização, coisa difícil de perceber para quem me conhece.

Meu apartamento é bem limpo, graças aos esforços da nossa devotada funcionária. Mas é bagunçado. Tem livros e revistas empilhados em toda parte, inclusive dentro de caixas que deveriam estar nos armários, quando muito na despensa, mas permanecem há meses em nosso quarto. As estantes transbordam apesar das limpas constantes de que eu já falei pra vocês. No entanto, se eu precisar de alguma coisa, até um livro, geralmente sei onde está; não atraso um pagamento, anoto cada coisa que gasto, sei o que preciso repor na lista do supermercado. Na Biblioteca Nacional a mesma coisa: sou a pessoa mais avoada do mundo, mas tenho tudo anotado pro relatório do mês, arquivo cartazes de exposições que montei há anos e mantenho a mesa arrumada. Acho que é esse o jeito que encontrei para funcionar com a minha dispersividade. E até que vem dando certo.

Agora estou com a rotina mais apertada do que nunca. Minha filha é pré-adolescente, mas nova demais para andar por aí sozinha e cheia de atividades que exigem que eu a leve, que eu a traga, que eu esteja disponível quando ela precisa. O trabalho na BN me ocupa muito e o trânsito não ajuda, restando apenas uma escassa fatia de tempo, em determinados dias, para me dedicar à escrita. Se eu estiver tranquila e inspirada, tudo bem, mas muitas vezes estou preocupada ou simplesmente cansada demais, e então o que faço?

Faço uma listinha. Não muito grande, para não desanimar, só três ou quatro coisas que eu pretendo fazer naquela semana. Em geral tem pelo menos duas que eu tenho certeza de cumprir, mas, mesmo que não, fazer a lista me dá uma sensação de segurança. É como se, ao colocar aquilo no papel, eu adquirisse o poder da realização, uma espécie de magia simpática que vai me ajudar com as tarefas. E quando, às vezes semanas depois, o último item da lista é finalmente riscado, o alívio é grande. Mesmo que eu já tenha vinte outras coisas pendentes e adiadas numa nova lista.

No entanto, a organização levada ao extremo pode ser um problema, e creio que está começando a ser para mim. A lista de tarefas é legal, porque tem prazo de uma semana e serve para, ao menos, sentir que estou produzindo; mas agora dei de me cobrar em termos de tempo, querendo aproveitar cada brecha e cada minuto que, na verdade, não posso saber ao certo como será gasto. Eu tento, por exemplo, determinar que o tempo entre a minha chegada do trabalho e a ida à escola para buscar Luciana será usado para a escrita; mas será que não vou me atrasar para sair da BN? Não vou ficar num engarrafamento, não tenho que ir à padaria, não preciso simplesmente me deitar e relaxar um pouquinho? E os fins de semana? Se não tenho de sair, a ideia é usar as manhãs para escrever, mas como passar a tarde? As duas horas depois do almoço, tenho o “direito” de gastá-las vendo um DVD? Como dividir meu tempo, eu que sou uma só, de forma a ser uma boa mãe, companheira, filha, bibliotecária, escritora e dona de casa? E isso sem contar a caminhada que eu não dou, o Yoga que já não faço, os amigos que pretendo procurar e vão ficando lá para trás, esquecidos, como se fizessem parte de uma outra vida... Ufa!

Pois é. A verdade é que estou tentando viver dentro de um cronograma e isso não é bom. O tempo pode ser medido, sim, mas não aprisionado em caixinhas, principalmente se for um tempo no qual eu quero viver com qualidade. Não se trata de parar, mas sim de me exigir um pouco menos, deixar de me cobrar uma perfeição que eu não tenho, principalmente nos aspectos da minha vida que só existem por pura obrigação. Não vai ser fácil, eu sei. Mas vou tentar, pelo menos, dar uns passos nesse sentido.

E, pra começar, aqui vai esta crônica, surgida e escrita num momento em que eu não contava com isso.

Um comentário:

Astreya disse...

Adorei a crônica, Ana. O tempo realmente não pode ser aprisionado em "caixinhas" e temos que aprender a não exigir tanto de nós mesmos. É difícil seguir um cronograma quando ele vira uma cobrança crônica. Tem vezes que eu também me pego não sabendo se posso ou não aproveitar o tempo para fazer algo que não seja obrigação ou tarefa, mas daí vem a internet para me ajudar a divagar e procrastinar XD.