segunda-feira, fevereiro 10, 2020

#EspalheFantasia : Adaptações Literárias

Pessoas Queridas,

Nossa segunda proposta, neste projeto #EspalheFantasia, é falar sobre uma adaptação. Acho que a maior parte das postagens será sobre livros que deram origem a filmes; eu, porém, desde o início decidi fazer o caminho inverso e falar um pouco mais detalhadamente sobre o livro que mais me encantou no ano passado, O Labirinto do Fauno, escrito por Cornelia Funke a partir do filme homônimo de Guillermo del Toro.


Todos aqui já devem conhecer o filme, não é? Foi lançado em 2006, tem imagens impressionantes, desde o próprio fauno (que foge um pouco à estética mais comum, aquele cara simpático de barbicha com pernas de bode, como Mr. Tumnus e o amigo de Percy Jackson; o do Labirinto é ameaçador, cheio de violência contida, algo demoníaco) às criaturas do subterrâneo, em especial o Homem Pálido, aquela figura sinistra cujos olhos estão nas palmas das mãos. Mesmo nas partes que se passam no “mundo real”, o ambiente é sombrio, cheio de estranhezas: estamos numa floresta remota, na Espanha franquista, e as feras de duas patas que transitam por lá são piores do que qualquer outra.

Na adaptação para a literatura, Cornélia Funke usou bastante essa analogia com feras, em especial o lobo, ao qual é comparado o Comandante Vidal. Essa é uma ponte brilhantemente construída pela autora com os contos de fadas, uma fonte na qual o filme de Del Toro ia buscar inspiração constante, tanto pelo visual – os contos tradicionais da Europa costumam ter essa atmosfera de penumbra, essa proximidade de bosques e florestas – quanto pelas referências e pala própria jornada empreendida pela protagonista, a menina Ofélia. Funke, ao escrever, deu um passo além, não apenas por fazer suas referências de forma mais direta, mas também por inserir na história o que ela chama de “interlúdios”: contos curtos, referentes aos personagens que habitam o subterrâneo, cujas histórias pregressas afetam os acontecimentos presentes. Esses contos nos revelam, por exemplo, de que forma o Homem Pálido está ligado à Igreja – isso foi afirmado por Del Toro, mas não é colocado explicitamente no filme --, antecedentes da história de Ofélia e até mesmo de seu padrasto, Vidal, o lobo de duas patas. Também contribuem para criar a sensação de maravilhamento que não se esgota quando a ação regressa ao tempo presente; pelo contrário, ela acompanha o leitor ao longo da trama e o faz perceber com mais clareza o que criou as distorções na mente de Vidal, o que move os revolucionários, o absurdo e as contradições da própria guerra. E o que no filme já era sentido, ou ao menos pressentido, aqui se traduz em palavras cheias de uma beleza perturbadora.

Guillermo Del Toro é mexicano e, embora seu filme seja uma co-produção do México, Espanha e Estados Unidos, fez questão de que fosse gravado em espanhol (o norte-americano Doug Jones, que interpreta tanto o Fauno quanto o Homem Pálido, aprendeu as falas em espanhol, por isso a dublagem de seus personagens ficou perfeita). Cornelia Funke é alemã e, pela primeira vez, escreveu seu livro em inglês. Eu li em português e tive muita sorte, pois a tradução de Bruna Beber é excelente, e a edição da Intrínseca é primorosa. Como escritora de fantasia, bibliotecária e pesquisadora de contos de fadas, só tenho coisas positivas a dizer sobre esse livro, que recomendo a todos, quer tenham visto ou não O Labirinto do Fauno. Porque lê-lo é uma experiência diferente -- e, no mínimo, tão boa quanto assistir ao filme.

Vamos lá?

#EspalheFantasia

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