quinta-feira, junho 05, 2014

Federico García Lorca


         Quando criança, e principalmente durante os anos de uma adolescência menos tranquila do que supõem os que conhecem a Mulher Grisalha, eu costumava ter "manias". Nada doentio, se bem que um pouco obsessivo: eu encontrava um assunto que me interessasse e começava a ler e pesquisar tudo que encontrasse sobre ele, o que, naqueles tempos anteriores à Internet, se resumia aos livros em que pudesse fisicamente pôr as mãos. Lembro-me da "mania" dos egípcios (quando eu queria ser arqueóloga), dos romanos, dos curupiras (não me perguntem) e, um pouco mais tarde, dos ciganos, reais ou romantizados. Outras viriam mais tarde, e creio que a maior parte delas me ajudou a reunir a razoável bagagem literária e cultural que acredito possuir hoje em dia.

         Aos 13 anos, na época da "mania" dos ciganos, conheci o trabalho de um escritor que até hoje me encanta, o espanhol Federico García Lorca. O primeiro contato se deu através de uma das muitas antologias que meus pais recebiam em casa (era um trecho da peça "Bodas de Sangue") e uma pesquisa enciclopédica me levou a descobrir, e fazer tudo para encontrar, um de seus livros de poemas, "Romancero Gitano". No aniversário de 14 anos ele chegou em casa, com uma bela dedicatória de mamãe e acompanhado de um segundo livro, a edição brasileira de "Cem Anos de Solidão", de García Márquez, pois segundo ela teve dó de me presentear apenas com o "Romancero". Era tão fininho! :)

         Pois sim, Dona Luizita, era um livro bem fino, mas fez o deleite de sua filha mais nova. E não sem razão! Naqueles poemas, encontrei belas sonoridades e imagens riquíssimas, em que a natureza - ventos, metal, lua, juncos - representa e confere uma dimensão universal à alma e à vida dos gitanos. Nos poemas desse livro e nos que eu leria mais tarde, bem como nos textos dramáticos - "Yerma", principalmente -, encontrei muita coisa que me fez pensar, muitas ideias para futuras pesquisas (sendo os "gitanos" andaluzes, que também são os moçárabes, tema da minha monografia e de alguns artigos) e, ainda, inspiração para os rabiscos literários que acabaram resultando na criação de personagens como RaymondZemel Cyprien. Mais que o prazer obtido na leitura, a obra de García Lorca me proporcionou o bem precioso que é a verdadeira "matéria para os sonhos": o alimento para a alma do escritor e do artista.

ROMANCE SONÁMBULO 
(fragmento)

Verde que te quiero verde. 
Verde viento. Verdes ramas. 
El barco sobre la mar 
y el caballo en la montaña. 
Con la sombra en la cintura 
ella sueña en su baranda, 
verde carne, pelo verde, 
con ojos de fría plata. 
Verde que te quiero verde. 
Bajo la luna gitana, 
las cosas le están mirando 
y ella no puede mirarlas.

         Nascido a 5 de junho de 1898, Federico García Lorca foi assassinado aos 38 anos de idade. Há controvérsias sobre os motivos que acarretaram sua morte, mas as teorias mais aceitas apontam para razões políticas: opondo-se à repressão dos humildes pelos poderosos, o escritor teria sido uma das primeiras vítimas da Guerra Civil Espanhola. Mas sua voz continua a ecoar no verde vento e nas verdes ramas.

         

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