sexta-feira, junho 07, 2013

Cloud Atlas, o filme



Pessoas Queridas,

Mais um fim de semana se inicia, e aproveito para dar essa dica a quem for ficar em casa e curtir um filminho com pipoca. Se bem que nesse caso é um filmão: Cloud Atlas, baseado no livro homônimo de David Mitchell, que no Brasil saiu com o título de A Viagem.

Apesar da tradução incompreensível ("O Atlas das Nuvens" seria bem mais legal) o filme é de fato uma viagem através do tempo, do espaço e das vidas de muitas pessoas, interligadas por um lugar, um objeto ou um ideal. Seis histórias são contadas, seus capítulos se intercalando de forma que, pouco a pouco, você começa a perceber os elementos que as conectam umas às outras. Olhando por esse ângulo, acho que foi uma sorte eu ter visto o filme em DVD, com a possibilidade de recuar e tornar a ver certos trechos que pareciam um pouco obscuros, mas isso não se deve ao hermetismo do filme; é que eram muitos detalhes a serem percebidos em cada cena.

Um grande must é a caracterização dos artistas. Em cada uma das histórias, Tom Hanks, Hale Berry, Hugo Weaving, Jim Sturgess e Hugh Grant, entre vários outros, interpretam pelo menos um papel, principal ou secundário, às vezes uma microponta como a de Hale Berry na história do advogado nos Mares do Sul. Em alguns casos dá para reconhecer os rostos, em outros só nos créditos, e não há como não soltar várias exclamações de surpresa. Quem diria que a enfermeira durona era o...?

À parte a maquiagem, atuações e o visual como um todo, a história me prendeu durante aquelas quase três horas. Digo "a história" porque, isoladamente, cada uma das seis tem uma trama simples, sem granes surpresas; algumas não fariam sentido se fossem contadas sozinhas, sem o apoio das demais, porém esse não era o objetivo e sim construir algo maior, que integrasse todas as seis e criasse uma grande história, em diferentes níveis como uma espiral, mas com um tema em comum.

E qual seria esse tema? É curioso. Logo que vi o filme, procurando uma imagem para ilustrar este post, li uma citação atribuída ao autor do livro, David Mitchell, segundo o qual o tema central de sua obra seria o instinto predatório, a sanha de domínio e de obtenção de poder do homem sobre o homem. De fato, uma frase dita pelo médico/monstro da primeira história é repetida pelo homem da tribo pós-catástrofe séculos depois (ambos interpretados por Tom Hanks): "O fraco é o alimento do forte". No entanto, minha visão do filme teve o viés oposto; para mim o tema central não foi o poder e sim a conquista e a defesa da liberdade, tanto no sentido mais literal (a libertação física de um escravo) quanto no que se refere à liberdade de crença,convicção, sexualidade e poder de escolha. Algumas se dão em um nível mais pessoal, como a de Robert Frobisher (autor da sinfonia "Cloud Atlas" na história passada em 1936) e a do impagável editor Cavendish; outras ganham conotação universal, principalmente a de Sonmi-451, garçonete em Nova Seul, geneticamente modificada para sê-lo enquanto durar sua vida útil.

(Aliás, alguém notou que 451, o número dessa entre outras Sonmis, é a temperatura da queima do papel, citada também em Fahrenheit 451 de Ray Bradbury? Eu sim).

Ao ver esse filme, algumas pessoas talvez pensem na ideia da reencarnação, principalmente por causa da repetição de atores. É uma interpretação, mas não me satisfaz, não acho que tenha sido essa a intenção do autor. Ainda assim, vejo algo de espiritual na ideia central da obra, porém não um espiritual religioso; só mesmo aquela ideia de que todos estão conectados, exista ou não algo "maior" ou "além" de nós e da nossa compreensão. Enfim, a velha e boa constatação de que nenhum de nós é uma ilha.

Cloud Atlas, o livro, está disponível para compra em livrarias aqui ou online - minha amiga viu uma edição paperback na Cultura do Rio por R$ 19,90 - e a Companhia das Letras pelo que li comprou os direitos, mas ainda não há data prevista para a tradução. Não tenho dúvida de que será um desafio, pois apreciações do livro em inglês disseram que há muitos neologismos, que o homem do futuro pós-apocalíptico se expressa de um jeito peculiar (se for como o menino do primeiro conto de A Voz do Fogo, sai de baixo!) e que além disso usa recursos complicados de narrativa. Já um ponto a favor é que Mitchell disse ter se inspirado em parte em Se Um Viajante Numa Noite de Inverno, meu livro favorito de Italo Calvino.

Pesando os prós e contras, depois de ter adorado o filme e sabido que o Cavendish do livro é melhor ainda - e, ora, R$ 19,90 não me farão mais pobre - acho que não vou esperar pela versão brasileira e sim me arriscar a ler o original mesmo. E, daqui a um tempo, assistir ao filme de novo, com o arcabouço da história em mente e prestando mais atenção aos detalhes sutis.

Vale a pena.

Um comentário:

Melissa disse...

Adorei esse filme. Achei riquíssimo para várias discussões como alteridade, preconceito, liberdade de expressão. Claro que existe essa questão do poder, mas eu também interpretei o filme pelo viés da liberdade e, principalmente, das boas ações que repercutem ao longo das décadas, séculos.

Tenho muita curiosidade pra ler o livro, mesmo com essa crítica de que é uma obra mais hermética. Achei o preço do ebook bem em conta, mas atualmente não posso pegar coisas longas pra ler. :(

Vi muita gente reclamando do filme porque é longo e um tanto quanto confuso, mas acho que a beleza dele está justamente nisso, sabe. Em como tudo parece caótico até que a gente junta tudo, não porque é uma história só, mas porque são várias histórias, unidas por um eixo temático.

Quero ver de novo e depois fazer uma resenha mais detalhada. Esse é o tipo de filme que temos que sempre rever pois temos muito a ganhar. :)