terça-feira, novembro 13, 2012

H de Henriqueta, a Espiã





Antes de começar, um esclarecimento: o título acima é a tradução da Ediouro para o livro Harriet, the Spy, da americana Louise Fitzhugh. Essa foi uma das edições de bolso compradas com minha mesada quando eu tinha no máximo uns doze anos, possivelmente menos. Foi um livro que li várias vezes e que me fascinou ainda que eu não soubesse o porquê – o quanto eu tinha em comum com a protagonista, além da idade, do cabelo curto, dos óculos e do caderninho que eu levava para todo lado.

Deu para adivinhar? Henriqueta, ou Harriet, era uma menina que gostava de escrever. Não lembro se, como eu, também inventava histórias, mas o que fazia, principalmente, eram observações – por vezes irônicas e até cruéis – a respeito de seus colegas de escola, inclusive os amigos mais próximos Sport e Janie. Esse é o principal ponto de divergência, pois raramente escrevi ou escrevo sobre pessoas da vida real; mas o fato de Henriqueta viver agarrada ao seu caderno de notas, a inadequação a situações do cotidiano escolar e a atitude intelectualmente precoce/emocionalmente imatura demonstrada por ela a tornam muito próxima do que eu era naquela idade.

Numa análise superficial, as semelhanças iriam parar por aí: a identificação, em vários sentidos, entre a personagem e a sua jovem leitora. De fato, a trama do livro é centrada em um acontecimento que (felizmente) nunca teve lugar em minha vida: Henriqueta perde seu caderninho e as anotações que fez sobre os colegas passam a ser de conhecimento destes, que obviamente ficam zangados e criam um grupo dedicado especialmente a rejeitar a menina (hoje talvez se falasse em bullying, mas lembrem-se, foi ela que começou). Em reação, Henriqueta passa por várias fases, desde a raiva à depressão, mas, aconselhada por sua antiga babá, a pessoa com quem mantinha o vínculo afetivo mais forte – e que em mais de uma ocasião no livro afirma que ela tem de crescer – acaba por retomar a amizade com Sport e Janie e a se tornar editora do jornal da escola (parece que todas as escolas americanas têm jornais legais. As nossas não. Isso não é justo).

Enfim, ao término do livro a vida parece voltar aos eixos e o futuro promete que Henriqueta será, não uma “espiã” como ela dizia no início, mas uma jornalista ou escritora. O que, depois de muitas reviravoltas, eu também me tornei – e com vários percalços de convivência, diferentes dos que foram enfrentados pela personagem. Isso porque, embora nenhum dos meus colegas tenha lido nada desabonador a seu próprio respeito, as poucas situações em que chegaram a ler algo e o simples fato de eu estar escrevendo, inventando, eram motivo de estranheza e de afastamento por parte de pessoas com quem, bem ou mal, eu mantinha ou supunha manter uma relação de amizade. Ou não?

Hoje, com um olhar distanciado, consigo ver que nem era tanto a escrita, mas todo um conjunto que incluía uma  bagagem cultural diferenciada (adquirido por meio de leituras e não de viagens, mas está valendo), uma aparência considerada esquisita (somos tantos!), falta de talento para esportes e muitas outras coisas. Não sei se foi uma defesa minha pensar que toda a rejeição e o isolamento se deviam ao fato de eu gostar tanto de ler e escrever (e ser, portanto, uma pessoa especial, que um dia ganharia o merecido reconhecimento. Bla, bla, bla). Tudo que sei é que mais de uma vez abri meu caderno, depois de algum episódio escolar ou familiar lamentável, e preenchi de cima a baixo várias folhas com a frase que Henriqueta escreveu em seu livro de notas:

EU GOSTO MUITO DE MIM.

Felizmente, acho que sempre foi verdade, ou eu não estaria aqui para contar esta história.

.......

O texto acima foi, como todos os posts da série Memórias de Leitora, escrito com base apenas nas memórias do que li, neste caso, há cerca de trinta anos. Agora, a Wikipedia me informa que Harriet, the Spy, publicado em 1964, ganhou prêmios juvenis de Literatura, foi adaptado para o cinema em 1996 pela Nickelodeon e, em 2010, serviu de argumento para uma filme da Disney chamado “Blog Wars” em que Henriqueta e sua arquiinimiga competem para ver quem tem o melhor blog. A vida avança, assim como a tecnologia. De qualquer forma, “Henriqueta, a Espiã” é um livro de que sempre me lembrarei com carinho e cuja mensagem continua atual. Recomendo a todos, principalmente o pessoal mais novo. E, dentre esses, àqueles que estão aprendendo a lidar com as dores e as alegrias trazidas por seja qual for o seu Dom.

Boa leitura e até a próxima!

2 comentários:

Vânia Vidal disse...

a-há! Eu li a Henriqueta, nem lembro quando, pois deve ter uns vinte anos ou mais. Não deixou de ser meio profético, mas enfim, ao contrário de você, já tive um caderno meu violado, embora nele eu não fizesse considerações cáusticas ou desabonadoras propriamente sobre ninguém, mas, mesmo assim o ato foi muito violento.

Esquistos todos somos, eu também era, e ainda sou, e coisa e tal...
E sofria com a bagagem cultural diferenciada, aliás, eu ainda sofro com isso até hoje, a mente precoce e a causticidade inerente a minha personalidade... e claro, nenhuma modéstia, porque, como Henriqueta, eu gosto muito de mim.

Foi muito divertido relembrar isso, Ana. Muito obrigada! Vou catar o meu livrinho, deve existir ainda se eu procurar bem na catacumba do Solar em Bangladesh...

Beijos,
vania

Alexandrina dos Santos Martins disse...

Tive diversos cadernos antes de enchergar o blog como um caderno. Essa mudança de visão aconteceu mês passado. Meus cadernos começaram a ser escritos antes de inventarem computador, editor de texto, internet e por fim os blogs. Texto, poesia, desenho, recortes de jornal... um dos meus cadernos ganhou autógrafo dos líderes da minha banda preferida na adolescência. Em outro show todos os integrantes autografaram minha camiseta. Depois virou moda fã pedir autógrafo em camiseta.
Eu também não vivia rodeada de amigos na escola mas dificilmente questionava os motivos disso, se é que alguma vez questionei.
Gostava mais de escrever do que ler, mas não ganhava nenhum prêmio no concurso de contos e poesia da escola.
Um livro que li na infância? A sala inteira da 1ª série gostou de uma vez em que comentei sobre um livro de trava-língua. Esse é o que lembro.